Na tarde do dia 10 de fevereiro, o Palácio dos Aciprestes – espaço da Fundação Marquês Pombal – abriu as suas portas para receber uma celebração de arte e amizade, na forma de uma exposição dedicada ao artista Henrique Gabriel e do lançamento de um livro sobre a sua obra. O evento reuniu amigos, admiradores e familiares do saudoso pintor, que partiu deixando um legado imensurável no cenário artístico português.
As palavras de abertura foram proferidas com sincero apreço pela presença de todos, pelo curador da Fundação, Luís Vieira Baptista, ecoando o sentimento de privilégio por receber naquele espaço obras de notável qualidade. “A Fundação regozija-se por ter nas suas paredes pinturas deste calibre. O Henrique era um pintor de excelência e a sua obra testemunha isso mesmo”, expressou.
Numa nota mais íntima, Luís Vieira Baptista recordou o amigo destacando a postura positiva e a leveza de espírito que o caracterizavam. “O Henrique sempre foi uma pessoa muito levezinha. Apreciava muito conversas que tínhamos porque mesmo estando mal, ele nunca quis que o seu sofrimento pudesse, de alguma forma, agredir aqueles que com ele conviviam. Nunca se lamentou. Nunca ouvi da sua boca uma palavra de tristeza, mas sim de esperança. Isto é uma das memórias que guardo no meu coração”.
A exposição, meticulosamente organizada em duas partes, reflete a multifacetada habilidade de Henrique Gabriel, desde suas pinturas marcantes até à sua incursão no mundo da fotografia. “O que perdura é sempre a obra dos artistas“, afirmou Luís Vieira Batista enfatizando a imortalidade da arte e sua capacidade de transcender o tempo.
Alexandra Horta, companheira do pintor, partilhou com o Correio da Linha o significado daquela exposição. “Quem por aqui passar vai encontrar pequenos pedaços do artista que é o Henrique Gabriel. A sua carreira começou na publicidade que abandonou para fazer o Caminho de Santiago, tendo regressado um artista plástico. Na entrada deparamo-nos de imediato com a obra “No Caminho” que foi um dos primeiros quadros que o Henrique pintou. Nele encontram-se duas marcas de botas…são as marcas das suas próprias botas da primeira vez que percorreu o Caminho de Santiago. É uma obra muito especial”.
Alexandra enfatiza ainda que é impossível caracterizar a arte do pintor e que cada pessoa deve interpretá-la a sua maneira. “A sua arte são cidades flutuantes, são castelos, são ruínas, são histórias. Há uma forte presença da espiral e do caracol…cada peça conta uma história única”. A incansável busca de Henrique Gabriel pela expressão através de diferentes meios artísticos levou-o a fascinar-se pela fotografia, mas também trabalhava o barro, a arte gráfica, entre outras formas. “Junto à obra “No Caminho” encontra-se um cajado esculpido pelo Henrique ao longo do Caminho de Santiago. Por sua vez, a sua fotografia é muito diferente do convencional. São pequenas manifestações do Universo e da sua formação”, explica Alexandra Horta.
O filho do pintor, Vasco Ferreira, expressou sua sincera gratidão àqueles que tornaram possível a realização daquele momento único. “Creio que um artista nunca nos deixa, porque enquanto houver obra, ela está cá como testemunho da essência de quem ele foi. E um amigo, irmão, companheiro, pai, também não nos deixa, pelas memórias que deixa gravadas”.
Vasco Ferreira teceu ainda comentários ao árduo trabalho e dedicação de todos os envolvidos na exposição e na concretização do livro sobre a pintura do seu pai, demonstrando a importância de cada pessoa envolvido nessa jornada. “Este livro era uma missão antiquíssima do meu pai que há muito o queria ver publicado. Trabalhou nele muito tempo pelo que houve diversas versões do mesmo. Apesar da sua publicação não vir a tempo do meu pai o ver – pelo menos senti-lo fisicamente – é muito bom poder partilhar convosco algo que eu sei que era um sonho seu e que está aqui concretizado”.
Vasco Ferreira expressou a sua esperança de que a exposição e o livro possam não apenas proporcionar aos presentes uma oportunidade de apreciar as obras de seu pai, mas também aquecer os corações daqueles que tiveram o privilégio de o conhecer “A todos os que tiveram uma ligação com o meu pai, espero que esta exposição e o livro acalentem os vossos corações, tanto quanto a acalentam o meu” declarou.
O livro foi escrito por José Luís Ferreira – também já falecido – com o qual Henrique Gabriel tinha uma relação especial. “O José Luís Ferreira e o Henrique eram dois seres diferentes, mas tinham a mesma essência. Eram como alma gêmeas que vieram ao mundo separadas em dois corpos. O percurso de ambos sempre foi muito uno. O José Luís escreveu muita coisa para a arte do Henrique, e na para além dos seus textos, que vieram enriquecer o livro do Henrique, contamos na exposição com um excerto de um texto da sua autoria que fala sobre esta coleção de fotografia”, revela Alexandra Horta. O prefácio da obra é da autoria de José Manuel Anes que não pode estar presente no dia da homenagem. Coube então a Carlos Paiva, amigo próximo de Henrique Gabriel, entoar as palavras do referido.
Renato Epifânio, editor do livro e Presidente do Movimento Internacional Lusófono (MIL), compartilhou momentos marcantes da sua relação com o Henrique Gabriel. Com uma voz embargada pelo peso da nostalgia, Renato Epifânio recordou os primeiros encontros com Henrique, datando a sua conexão há cerca de duas décadas. “Foi por volta de 2004 que nossos caminhos se cruzaram, num momento que marcaria o início de uma amizade e colaboração duradoura“, recordou, destacando a paixão compartilhada pela figura de Agostinho da Silva como catalisador para uma série de eventos e encontros significativos ao longo dos anos. Ao lembrar a génese do Movimento Internacional Lusófono, um movimento cultural e cívico que no essencial projeta o nosso futuro coletivo, enfatizou o papel central de Henrique Gabriel na conceção e realização desse projeto visionário.
Renato Epifânio, descreveu ainda o último encontro presencial com Henrique Gabriel, um momento carregado de simbolismo e camaradagem, quando o pintor, já debilitado, teve de subir a custo um lance de escadas no Palácio da Independência pois fez questão de autografar e numerar cada um dos exemplares de uma coletânea da obra poética do seu amigo José Luís ferreira, editada pelo MIL, que continha imagens do pintor. A edição deste livro do seu amigo foi um sonho que Henrique Gabriel ainda chegou a ver concretizado. Ao encerrar a sua retrospetiva, Renato Epifânio deixou claro que este livro não é apenas uma obra impressa, mas sim um abraço caloroso e afetuoso ao amigo que partiu.
A exposição e o livro representam apenas o primeiro capítulo de um legado que continuará a inspirar e encantar as gerações vindouras. Não havendo projetos concretos, segundo Alexandra Horta fica a certeza de que as obras e o espírito de Henrique Gabriel permanecerão vivos, alimentando o desejo de continuar a explorar e celebrar a beleza do mundo que ele tão apaixonadamente capturou nas suas criações.
Este evento ficou ainda marcado por um momento musical a cargo de Vítor e Ilda Rua, irmã de Henrique Gabriel. O tema interpretado foi “Palolo” composto em homenagem ao pintor António Palolo e era uma das favoritas de Henrique Gabriel.
NOTA: Artigo escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico