A designação Supercentenário é atribuída a uma pessoa que já superou os 110 anos de idade. Nascida em 1913, dezassete meses antes do início da I Guerra Mundial (1914-1918), que empurrou a Humanidade para uma tragédia de dimensões globais, Ilda da Silva prepara-se para completar 111 anos no próximo dia 28 de Fevereiro. Não é para todos. Confirmam as estatísticas que as mulheres costumam viver mais tempo do que os homens. Nesta ‘guerra dos sexos’, o efectivo de supercentenárias na pirâmide etária é significativamente maior do que o dos supercentenários.
Em Portugal, a pessoa mais velha, cuja longevidade está reconhecida pelo livro de recordes do Guinness, foi Maria de Jesus (1893-2009). A sua existência prolongou-se por 115 anos e 114 dias. Esta idosa manteve também o título de decana da Humanidade (mais velha do Mundo) desde 26 de Novembro de 2008 até 2 de Janeiro de 2009, data da sua morte, figurando entre as 50 pessoas mais velhas de sempre. Em todo o Mundo, a pessoa que mais anos viveu foi a francesa Jeanne Louise Calment (1875-1997), que somou uns impressionantes 122 anos e 164 dias.
Segundo os dados recolhidos e reconhecidos pelo Guinness World Records e pelo Gerontology Research Group, mais de três mil pessoas supercentenárias ultrapassaram os 110 anos de idade em todo o Mundo, sendo que Jeanne Calment foi a única que conseguiu ultrapassar a fasquia dos 120 anos. Com o avanço da Ciência e a descoberta de novos fármacos, mais eficazes e potentes, tem sido possível prolongar cada vez mais a vida dos mais idosos, passando a ser relativamente comum a Humanidade coleccionar indivíduos com estatuto centenário.
Actualmente, a pessoa viva mais velha do Mundo é a espanhola Maria Branyas, nascida a 4 de Março de 1907, que vai a caminho de completar 117 anos, seguida da japonesa Fusa Tatsumi, nascida a 25 de Abril de 1907. O terceiro lugar do top dos mais idosos vivos é preenchido pela norte-americana Edith Ceccarelli, nascida a 5 de Fevereiro de 1908. O Japão é o país com mais supercentenários vivos, com 17 representantes no top 50, seguido dos EUA, com nove pessoas com mais de 112 anos. No terceiro lugar, o Brasil tem quatro. Entre os 50 supercentenários vivos, apenas dois são homens.
O jornal ‘O Correio da Linha’ visitou Ilda da Silva na sua actual morada, a Casa de Repouso de Porto Salvo, em Oeiras, onde esta supercentenária, ajudada por uma das filhas, Maria de Deus Carrilho, de 67 anos, falou connosco sobre vários episódios da sua longa existência, e deixou alguns conselhos aos mais novos, evidenciando uma memória que não falha nos momentos de recordar um passado recheado de estórias e episódios capazes de fazer inveja a tantos ‘miúdos’ que engrossam o universo de reformados recém-chegados à fase sénior das suas vidas.
5 FILHOS, 11 NETOS, 6 BISNETOS E 3 TRINETOS
Natural de Alvor, no concelho de Portimão, Algarve, Ilda da Silva é filha de José Lourinho da Silva e Joaquina Maria. O pai era pescador e a mãe doméstica. Casou no Algarve, em 1936, aos 23 anos, com Joaquim Paulo da Silva, com quem esteve casada durante 46 anos. Enviuvou em 1982, aos 69 anos, após a morte do único companheiro de uma vida, com 73 anos. Da relação de quase meio século, o casal teve cinco filhos, três homens, um dos quais já falecido, e duas mulheres. Actualmente, a supercentenária algarvia conta com uma lista de descendentes composta por mais onze netos, seis bisnetos e três trinetos.
Do Alvor, onde passou a juventude e os primeiros anos da vida adulta, Ilda da Silva ‘emigrou’ para a região de Lisboa, onde o casal fixou residência, primeiro, em Pedrouços e, mais tarde, em Belém. O marido, mestre na Marinha Mercante, passava temporadas no mar, pelo que a responsabilidade de acompanhar os filhos recaiu mais sobre os seus ombros. Sobrou ainda tempo para fazer o que mais gostava: a costura. Foi durante anos costureira da conhecida boutique de moda Migacho, situada na Baixa Lisboeta, que revolucionou a forma de vestir das jovens portuguesas nos anos 1970/1980.
Aos 94 anos, a supercentenária algarvia mudou-se para casa da filha mais nova, Maria de Deus Carrilho, que nasceu quando ela já tinha 43 anos. Manteve esta nova morada, em Paço de Arcos, já depois de se tornar centenária, até atingir a idade de 106 anos, quando uma queda lhe provocou uma fractura no colo do fémur, obrigando a que fosse operada. A perda significativa da mobilidade e da autonomia levou a que tivesse de ter um acompanhamento mais especializado, pelo que deu entrada na Casa de Repouso de Porto Salvo, onde permanece até aos dias de hoje.
MEMÓRIAS INESQUECÍVEIS
Ao longo da sua vida, Ilda da Silva coleccionou imensas recordações, momentos marcantes que ainda guarda na memória. Lembra-se das senhas de racionamento usadas para adquirir alimentos essenciais durante a II Guerra Mundial e da Revolta dos Marinheiros, ou Motim dos Barcos no Tejo, um levantamento militar ocorrido a 8 de Setembro de 1936 a bordo dos navios da Armada Portuguesa NRP Bartolomeu Dias, NRP Dão e NRP Afonso de Albuquerque, em que os marinheiros que participaram na revolta contra a Ditadura, que estavam convencidos da vitória de um golpe armado contra o Fascismo, acabaram por ser deportados para o campo prisão do Tarrafal, em Cabo Verde.
Outro episódio que a supercentenária tem bem guardado na memória transporta-a para o ano de 1941, mais precisamente para o dia 15 de Fevereiro desse ano, há mais de 80 anos, quando observou bem de perto os efeitos da mais violenta tempestade a atingir o nosso País desde que existem registos sobre este tipo de ocorrências. Considerada ‘a mãe de todas as tempestades’, na forma de um ciclone, que produziu ventos que atingiram os 130/150 quilómetros por hora, saldou-se por mais de uma centena de mortos e um número indeterminado de feridos que encheram os hospitais, além de um imenso rasto de destruição por onde passou.
E a supercentenária não esquece também a alegria que sentiu ao assistir a uma outra revolta mais recente dos militares contra a Ditadura, esta bem-sucedida, que culminou na Revolução dos Cravos de 25 de Abril de 1974, pondo fim ao regime imposto por António de Oliveira Salazar (1889-1970), já com Marcello Caetano (1906-1980) a dirigir o País. A fuga de um dos filhos para o estrangeiro, para escapar a um regime ditatorial que obrigava os jovens a travar uma guerra colonial em África, fizeram-na sentir de uma forma muito particular os novos ventos de liberdade que traziam consigo o advento da Democracia, há muito desejada pela população.
Mais distantes na sua memória, Ilda da Silva guarda ainda algumas recordações da juventude, que permanecem bem acesas no seu espírito. Sendo uma das poucas pessoas da sua terra natal que já sabia ler e escrever, mercê da influência da mãe, era a ela que recorriam as moças de Alvor e arredores para lhes ler e escrever as cartas dos/para os namorados quando estes estavam longe. Esta função de ‘secretária’ capaz de facilitar o contacto entre jovens apaixonados que trocavam, através dela, juras de amor, mereceram-lhe o título da ‘Menina Ilda’, que permaneceu inalterado ao longo dos anos, mesmo quando, décadas mais tarde, visitava a região de Alvor.
GOSTOS E SEGREDOS DE LONGEVIDADE
Qual o segredo para ter uma vida longa com saúde? Ilda da Silva revela alguns dos seus segredos. O principal é o facto de ter sido sempre uma pessoa muito regrada na alimentação, evitando os excessos alimentares, sobretudo à noite. “Desde há muitos anos, ao jantar, come sempre uma torradinha, acompanhada por um chá, uma coisa leve. Nunca comeu, nem come, nada de mais pesado à noite”, confirma a filha Maria Carrilho, acrescentando que a mãe privilegiou sempre um tipo de alimentação mais saudável. “Gosta muito do seu peixinho, seja ele grelhado, assado ou cozido. Isso tanto faz, desde que seja peixinho. Adora todo o tipo de peixe”.
Então, e também gosta de doces? “Ao longo da vida, não me lembro de que tenha comido assim muitos doces”, assinala a filha, confidenciando, logo a seguir, que “ultimamente, de há uns anos para cá”, a supercentenária “tem vindo a tornar-se mais gulosa”, reclamando o prazer de degustar alguns ‘miminhos’. “Costuma pedir-me para lhe trazer rebuçados peitorais do Doutor Bayard. Diz que é para aliviar a tosse”, confirma a filha mais nova de Ilda da Silva, cujo apetite por doces tem outro alvo predilecto, do qual não abdica: os bolos cozinhados por Adriana Silva, uma das funcionárias da Casa de Repouso.
O facto de ter um feitio característico de uma “boa diplomata, que sempre soube lidar com as pessoas, que não tinha por costume alimentar discussões, ou promover o conflito, sendo antes uma apaziguadora, mesmo não tendo tido uma vida fácil em determinados momentos da sua vida”, é apontado por quem a seguiu, e segue mais de perto, como uma característica favorável à sua longevidade. “Sem ser aquela pessoa que está constantemente a dar grandes abraços e a dar beijinhos, foi uma mãe que soube sempre estar presente, que nunca nos faltou com nada. Não tínhamos lagosta no prato, mas tínhamos sempre o essencial”.
Quanto a maleitas, achaques e doenças, até os médicos se admiram: nada a registar. E no que respeita a medicação, nem vê-la. “Não toma nada para o colesterol, nem para a tensão, nada. Felizmente, está sempre em forma”, atesta Maria Carrilho, corroborada pelos funcionários do lar que acompanham mais de perto a mãe. “Quando o médico vem cá, ela já sabe o que tem de fazer. Coloca-se logo na posição certa para ser auscultada e fazer os exames necessários. E mal a examinação termina, pergunta logo: ‘Então, doutor, está tudo bem?’”, contam. Sempre atenta ao que a rodeia, Ilda da Silva também não esconde a preferência por um dos funcionários, Márcio Silva, cujos dias de folga são por ela controlados com exactidão.
Que dizer, senão felicitá-la pelo modo como tem vivido, com acerto e dignidade e pela numerosa prole, que seguramente a respeita e ama. Mas o factor idade, realmente impressiona. Parabéns, pois!