Clarinda Pinheiro: “Principais dificuldades dos seniores são o isolamento e a solidão”

A Associação de Apoio Social dos Amigos da Paz de Bicesse (AASAPB) foi fundada em 1996. A iniciativa que levou à criação desta Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) partiu da acção de três mulheres (Margarida Rodrigues, à data presidente da Junta de Freguesia de Alcabideche, Maria de Lurdes Miranda e Anália Guerreiro) apostadas em oficializar um Centro de Convívio para seniores naquela localidade da freguesia de Alcabideche, no concelho de Cascais.

Com 28 anos assinalados no dia 28 de Março último, a Associação conseguiu construir e inaugurar, em 2003, a tão desejada infraestrutura-sede para instalar o seu Centro de Convívio (Rua das Nespereiras, 17 – Bicesse), que tem vindo a apoiar a população mais idosa. Paralelamente, foram também disponibilizadas várias respostas sociais, entre as quais merecem destaque o apoio domiciliário e uma Academia de Saberes, desenvolvida no âmbito de acção de uma Universidade Sénior.

Ao longo destas quase três décadas de existência, a AASAPB tem orientado a sua missão no sentido de contribuir para aumentar a qualidade de vida da população sénior de Bicesse e zonas envolventes, facultando serviços de cuidados pessoais, educativos, de saúde/reabilitação e de animação sociocultural. Objectivos que têm vindo a ser assegurados de forma inovadora e sustentada, mantendo, simultaneamente, o foco na inclusão social dos mais idosos.

Para isso, a Associação conta com quatro vertentes de respostas sociais: Apoio Domiciliário, Centro de Dia, Academia de Saberes e Centro de Convívio. Como parceiros das acções realizadas para cumprir a sua missão, a AASAPB beneficia dos apoios de várias instituições, entre as quais a Câmara Municipal de Cascais, a Junta de Freguesia de Alcabideche, o Rotary Club de Cascais-Estoril, a Associação S. Bartolomeu dos Alemães e o IEFP-Instituto do Emprego e Formação Profissional. 

O jornal ‘O Correio da Linha’ esteve à conversa com a Dra. Clarinda dos Santos Pinheiro, presidente da Direcção, que nos falou sobre o processo que levou à criação da Associação, sobre as valências da instituição, colaboradores e utentes, apoiados por uma instituição reconhecida pela qualidade da sua intervenção social, direccionada para responder da melhor forma às necessidades de uma população sénior cada vez mais numerosa.

Foto: Paulo Rodrigues

MELHORAR A QUALIDADE DE VIDA DOS MAIS VELHOS

Jornal ‘O Correio da Linha’ (CL) – O que levou à criação da Associação de Apoio Social dos Amigos da Paz de Bicesse?

Clarinda Pinheiro (CP) – Estávamos na segunda metade dos anos 1990, a população recém-aposentada, com pouco acesso a eventos culturais ou outras formas de passar o tempo, enfrentava o início do isolamento social. Nessa altura, algumas pessoas começaram a reunir-se na Colectividade Recreativa de Bicesse, duas tardes por semana. Ali praticavam ginástica apoiados por um fisioterapeuta cedido pela Junta de Freguesia, uma hora por semana. De seguida, era servido um chá pelos próprios para criar motivos de conversa entre todos. Foi isso que acabou por levar à criação da Associação.

CL – Quais são as principais dificuldades que a população mais idosa do concelho de Cascais enfrenta?

CP – As principais dificuldades são o isolamento e a solidão, os baixos recursos económicos e a dificuldade de acesso atempado a cuidados de saúde, bem como habitação condigna e adaptada às necessidades especificas desta população, e a custos acessíveis, embora Cascais seja um concelho de referência, com um conjunto de medidas que têm vindo a ser implementadas para melhor a qualidade de vida dos mais velhos.

CL – Como tem sido adaptar a Associação para conseguir dar as respostas necessárias para apoiar os seniores?

CP – Temos apostado na contratação de recursos humanos com formação e experiência na área da prestação de serviços ao perfil desta população. Uma mais-valia para esta adaptação é o apoio de voluntários criteriosamente seleccionados para o referido público, bem como a busca constante de recursos recorrendo a várias parcerias.

CL – Quais os serviços que são disponibilizados pela Associação?

CP – Existem quatro respostas sociais/projectos: Centro de Convívio, que funciona das 14h00 às 18h00; Centro de Dia, aberto das 08h00 às 18h00; Academia de Saberes (Universidade Sénior), com um horário das 09h00 às 18h00, e o SAD- Serviço de Apoio Domiciliário, disponível entre as 08h00 e as 18h00.

CL – Quantos utentes frequentam o Centro de Convívio?

CP – O Centro de Convívio conta com 30 utentes.

CL – E o Centro de Dia?

CP – O Centro de Dia é frequentado por 24 utentes.

CL – E quantos alunos tem a Universidades Sénior? 

CP – A Academia de Saberes é frequentada por 30 alunos.

CL – Que actividades são disponibilizadas na Universidade Sénior? 

CP – À data praticam-se as seguintes actividades/disciplinas: Artes Decorativas, História, Tuna Académica, Ginástica, O Palco da Vida, ChiKung, Pintura e Desenho, Introdução às Danças de Salão; Oficina de Artes e Costura com Coração.

Foto: Paulo Rodrigues

PERTO DOS 30 ANOS DE EXISTÊNCIA

CL – A Associação está quase a assinalar 30 anos de existência. Estão previstas algumas iniciativas especiais para assinalar esse aniversário?

CP – Será, certamente, uma data a comemorar. Estamos a iniciar o plano de acção para essa comemoração. Para tal, contaremos com o apoio dos nossos parceiros.

CL – Quais as principais etapas atingidas pela Associação ao longo deste percurso de 28 anos já percorrido?

CP – A primeira grande etapa, que aconteceu em 1999, foi a eleição de uma direcção composta pelos órgãos sociais constituída por pessoas mais jovens. Até aí, existia apenas uma Comissão Instaladora formada por alguns dos utentes que estiveram na sua génese. A segunda etapa de relevância foi a construção de sede própria, um equipamento existente, construído em terreno doado em direito de superfície pela parceira Câmara Municipal de Cascais.

Finalmente, a terceira grande etapa foi, sem dúvida, o licenciamento para Centro de Dia e SAD-Serviço de Apoio Domiciliário por parte do Instituto da Segurança Social, facto esse que cumpriu o objectivo do sonho inicial.

CL – Com que apoios conta a Associação?

CP – Contamos com apoios da Câmara Municipal de Cascais (CMC), o nosso maior parceiro; Junta de Freguesia; do Rotary Club de Cascais Estoril; Associação de S. Bartolomeu dos Alemães; IEFP-Instituto do Emprego e Formação Profissional, ISS-Instituto da Segurança Social e, pontualmente, de outros parceiros locais.  

CL – Com quantos funcionários conta a Associação?

CP – Temos nove funcionárias com contrato e dois elementos com bolsa do IEFP.

CL – A Resposta Social de Serviço de Apoio Domiciliário apoia quantos utentes? 

CP – Dispomos de licenciamento do ISS para 15 utentes. 

CL – Quais os serviços que são prestados? 

CP – O SAD presta o serviço de alimentação, higiene pessoal, higiene habitacional e tratamento de roupas.

CL – Qual a idade do utente mais jovem e do mais idoso?

CP – O utente mais novo tem 56 anos e o mais idoso 96 anos.

DIFICULDADES NA ÁREA DA SAÚDE E REABILITAÇÃO

CL – É referido no site da Associação na internet que a missão desta instituição é apoiar a população idosa e a comunidade, promovendo a sua qualidade de vida, prestando-lhes serviços de cuidados pessoais, educativos, de saúde e reabilitação, e de animação sociocultural, de forma inovadora, sustentada, participativa e orientada para a inclusão social. Quais as maiores dificuldades que têm encontrado para conseguir atingir estes objectivos?

CP – As maiores dificuldades verificam-se no domínio da saúde e reabilitação. A psicomotricidade, ou melhor, a contratação de técnicos que satisfaçam esta área são de elevada importância, mas ainda não temos capacidade financeira para isso.

CL – A inclusão social dos seniores está hoje mais difícil de alcançar?

CP – Em virtude do fenómeno migratório no nosso País, começamos a ter procura para a frequência de pessoas de nacionalidades diferentes, as quais não falam a nossa língua, pelo que precisaremos de pessoal com requisitos curriculares nessa área para melhor integração desses utentes.

CL – Existem muitos idosos a viverem sozinhos da freguesia?

CP – Temos consciência que há muitos, mas não dispomos de números exactos.

CL – Como se consegue combater a solidão/isolamento verificado entre os mais idosos?

CP – A Amigos da Paz proporciona a permanência dos utentes nas suas instalações, das 08h00 às 18h00, com diversas actividades de grupo com o objectivo da sociabilização, contribuindo, assim, para o combate ao isolamento e solidão. 

CL – Quem pode beneficiar dos serviços que a Associação disponibiliza?

CP – Para a Academia de Saberes, aceitamos pessoas com 50 anos ou mais. Todas as outras respostas sociais estão disponíveis para pessoas que tenham mais de 65 anos ou se encontrem em situação de dependência; residam no concelho, com preferência na localidade ou localidades vizinhas, e se tornem sócios da Associação (quota estatutária de 24 euros/ano).

CL – Quem pode colaborar com a Associação? 

CP – Podem colaborar, voluntariamente, todas as pessoas que se dirijam à instituição, tenham perfil e se adequem, quer às necessidades da instituição, quer ao gosto e vocação e/ou aptidão.

CL – Quais as principais necessidades sentidas pela população mais idosa do concelho?

CP – Apoio em geral, mas principalmente no combate ao isolamento. Com o aumento exponencial da esperança de vida nestas últimas duas/três décadas, as famílias, por vezes com quatro gerações dentro da mesma casa, não sabem lidar com os desafios que se lhes deparam: vida activa, profissional; filhos e/ou netos e ainda os idosos de 90, 100 e mais anos de vida. Embora muitos idosos continuem no seio das famílias, sentem a solidão e o isolamento pela forma de estar geracional.

“HÁ MUITO CAMINHO PARA PERCORRER”

CL – A Sociedade tem hoje mais dificuldade em lidar com os seus idosos?

CP – No geral, sentimos que sim. No seio das famílias percebe-se que há uma necessidade urgente de mais conhecimento e apoios aos cuidadores informais que estão 24h00 sobre 24h00 com os seus familiares. A maior parte dos quais sem ter a noção de como lidar e até aceitar, por exemplo, as demências que cada vez mais aparecem mais cedo na vida das pessoas, sobretudo nos idosos.

CL – As estruturas de apoio social estão devidamente apetrechadas para responder a uma população cada vez mais envelhecida?

CP – Pensamos que há muito caminho para percorrer. Na Amigos da Paz estamos atentos e pensamos que a forma de resposta social, em geral, deve ser restruturada e que a comunidade deve ser envolvida, desde muito cedo, no cuidar dos mais velhos.

CL – Já obtiveram resposta à segunda candidatura apresentada, em Setembro de 2023, ao PROCOOP (Programa de Celebração ou Alargamento da Cooperação para o Desenvolvimento de Respostas Sociais), no sentido de obterem uma maior estabilidade financeira?

CP – Sim. Felizmente, os acordos com o ISS foram celebrados, depois de muitos anos de espera. Aconteceu em Dezembro de 2023, para o apoio a utentes do Centro de Dia. No entanto, é preciso referir que estão muito aquém das exigências verificadas com o perfil de utentes que, em geral, se verifica. Falamos das magras reformas que estas faixas etárias, na grande maioria, recebem. O complemento do ISS, no nosso entender, deve ser revisto o mais breve possível. As Instituições Particulares de Solidariedade Social, como a nossa Associação, vivem com muitas dificuldades. Se não fossem os parceiros e, sobretudo, a engenharia de gestão que as direcções, por “missão e propósito de vida”, imprimem diariamente com a sua presença e resiliência perante as dificuldades, uma grande parte destas instituições já não existiria. 

CL – O que já foi feito e ainda falta fazer no âmbito da reestruturação da organização da Associação?

CP – Estamos com um projecto de ampliação, em 150 metros quadrados, em fase de desbloqueio orçamental por parte da CMC. Pensamos poder iniciar as obras em Julho. Esta ampliação vem colmatar a falta de espaço para um trabalho diferenciado com os utentes do Centro de Dia e com os alunos da Academia Sénior. Contamos, também, poder voltar a promover eventos de angariação de fundos. Ainda neste novo espaço, como forma de sustentabilidade da instituição, prevemos ceder e rentabilizar espaços para técnicos de saúde e afins.

CL – Existem alguns projectos novos para implementar no futuro? Um sonho por realizar? 

CP – “O sonho comanda a vida (…)”, como refere o poema ‘Pedra Filosofal’, de António Gedeão. Também nós temos um sonho por realizar: construir um “aldeamento” transversal, inclusivo, com um edifício para serviços de apoio a nível da saúde e reabilitação. Embora em recinto protegido, o mesmo será aberto à população em geral, no sentido de se criar um ambiente familiar, natural e parecido aos hábitos dos utentes e não os circunscrever apenas a um espaço fechado.

Dos interlocutores a quem se partilha este nosso sonho, recebemos reacções extraordinariamente positivas. No entanto, há um caminho, longo, a percorrer. Temos consciência disso. Primeiro, na aquisição do espaço de sensivelmente 20 mil metros quadrados, um propósito para o qual não possuímos capacidade económica. Fica a esperança de algum dos nossos parceiros, ou de uma parceria global entre parceiros, possa permitir pôr mãos à obra. Citando o nosso grande poeta Fernando Pessoa: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. Foi assim que a Amigos da Paz nasceu. A direcção está com esse propósito. Desistir não está nos nossos horizontes.

Foto: Paulo Rodrigues

Autor: Luís Curado

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