Rui Espada: “Sentimos na pele todo o foco que é dado ao Futebol”

O Stuart Hóquei Clube de Massamá (SHCM) nasceu em 2002, fruto de um sonho do já falecido ex-jogador de hóquei e treinador João Campelo. O seu desejo era criar um centro de formação em patinagem e hóquei em patins e promover a inclusão da modalidade no desporto escolar. Desde então o clube ocupa o pavilhão da Escola Secundária Stuart Carvalhais, onde tem a sua sede e realiza os seus treinos. A equipa começou desde logo a participar em campeonatos regionais e nacionais e em 2010 já possuía equipas em todos os escalões de formação, desde os Bambis (dos 4 aos 6 anos) até aos Juniores (dos 17 aos 20) – incluindo equipas femininas. A 28 de junho de 2013, assiste-se à constituição oficial do Stuart Hóquei Clube de Massamá. Em 2020, Rui Espada assumiu a presidência do clube promovendo a sua reestruturação. 

O Correio da Linha (CL) – Como “chegou” ao clube e qual o caminho que percorreu até se tornar seu Presidente?

Rui Espada (RE) – Sou ex-jogador de hóquei e, há uns anos, um antigo colega que estava envolvido no referido centro de formação na Escola Secundária Stuart Carvalhais (antes de se ter constituído como associação desportiva) abordou-me solicitando a minha colaboração no sentido de apoiar financeiramente o projeto que estava a desenvolver. Como sou empresário, ao abrigo da responsabilidade social das empresas desbloqueei uma verba para ajudar um projeto que entendi muito válido, que me era querido e que ajudava as crianças a terem menos tempo de ecrã e a socializarem. Como tenho 4 filhos necessitava também de os colocar a fazer exercício físico, pelo que se juntou o útil ao agradável. 

Assim, entrei no clube como patrocinador e pai. No ano seguinte pediram-me para dar o meu contributo como delegado, o que fiz com muito agrado uma vez que a alegria daquelas crianças é inenarrável. Entretanto o clube passou por uma fase diretiva muito difícil e estava em risco de acabar. Atendendo à felicidade que via irradiar dos rostos daquelas crianças, decidi que seria o momento de juntar um grupo de pessoas que partilhava os mesmos valores e construir um projeto de clube familiar. Este é o 1º ano do 2º mandato de 3 anos como presidente do SHCM.

CL – Que escalões têm disponíveis?

RE – Sempre tivemos todos os escalões com exceção de seniores masculinos. Quando assumimos a direção comprometemo-nos com os rapazes de que não seriam obrigados a sair do clube para continuar a jogar e que, à semelhança das meninas, também eles teriam uma equipa sénior. Efetivamente, cumprimentos esta promessa.

Neste momento, fruto da avidez de outros clubes com mais condições, ficámos sem os escalões de Sub19 e Sub23, que regressarão na época 2024/25.

É fundamental distinguir entre “formação” e “competição”. Assim desde a iniciação até Sub13 inclusive (Bâmbis, Benjamins, Escolares e S13) falamos em formação, só a partir daí entramos no campo da competição. A equipa de treinadores coordenada pelo Bruno Fonseca está incumbida de dotar as crianças das competências adequadas ao seu nível de desenvolvimento que vão ficando cada vez mais complexas quanto mais desenvolvidas elas se tornam…estamos a falar de competências por oposição a idade. Assim, aqueles que apesar de já terem idade para militar no escalão de S13 se não tiverem as competências necessárias são enviados para o escalão abaixo onde se treinam aspetos que lhes fazem falta. Por sua vez, um atleta que já demonstre capacidades acima da média é convidado a treinar no escalão acima de forma a estimular o seu desenvolvimento.

Foto: SHC

CL – Quantas vezes treinam por semana?

RE – Regra geral treinamos 3 vezes, mas temos tido cada vez mais restrições de tempo de pista. O SHCM funciona no pavilhão desportivo da Escola Secundária Stuart de Carvalhais, o que implica sérias limitações na sua atividade. Com o desporto escolar ficamos com menos 3h45 semanais de pavilhão disponível, o que retira qualidade aos nossos treinos e nos impede de admitir muitas crianças por indisponibilidade de tempo e espaço para as treinar em segurança e com qualidade.

CL – Como é composta a equipa técnica dos vários escalões?

RE – Normalmente por um treinador, 2 delegados (que atuam como representantes do clube, sendo a eles que um árbitro se dirige quando tem necessidade de esclarecer alguma situação) e, muitas vezes, um estagiário, especialmente na formação.

CL – Com quantas atletas contam e entre que idades?

RE – Atualmente temos cerca de 165 atletas dos 3 aos 45 anos, uma vez que também contamos uma equipa de Masters +35.

CL – Em que competições o clube se encontra a participar nos diferentes escalões e quais os principais objetivos nos mesmos? Houve alguma mudança de foco ou estratégia em relação às temporadas anteriores?

RE – O SHCM encontra-se a participar em todas as competições nacionais, sejam da Federação de Patinagem de Portugal (FPP) ou da Associação de Patinagem de Lisboa (APL). Também participamos em competições internacionais como é o caso da equipa sénior feminina que em 2024 foi a única equipa portuguesa a chegar aos quartos de final da WSE Champions League Women. Quanto a objetivos, a definição destes reporta sempre à época anterior, sendo que nos escalões de competição será sempre fazer melhor do que o que foi feito e nos escalões de formação será sempre aprender mais do que foi aprendido incrementando o nível de alegria e entrosamento entre as crianças.

O SHCM é um clube de formação, mas investimos cada vez mais na competição e no alcance de resultados que nos tornem competitivos, de forma a tornar o clube aliciante para os atletas, além de o dignificar.

CL – Tendo em conta que a vossa aposta na formação, como conseguem os atletas conciliar os treinos com os estudos?

RE – Ser atleta federado e jogar numa equipa é um meio de desenvolvimento de competências sociais e emocionais, que, aliadas às académicas, permitem que as crianças cresçam de forma equilibrada. A escola é a prioridade, claro, mas o bem-estar que a prática de desporto lhes proporciona também tem impacto positivo nos estudos. Nos escalões dos mais pequenos, os treinadores e os delegados reforçam o equilíbrio que eles têm de ter entre os resultados académicos e a prática do hóquei em patins. No entanto, no nosso entender, os resultados académicos não devem condicionar os treinos/jogos nem servir de “castigo”. Sem dúvida que tudo isto exige um grande esforço de pais e atletas, mas o resultado é sempre positivo.

A mensagem que passamos aos pais é a de que tem de haver tempo para tudo e que a parte física dos seus filhos é tão importante como a parte do estudo.

Foto: SHC

CONQUISTAS E DISTINÇÕES

CL – Quais são as oportunidades para os atletas do clube competirem em níveis mais altos, como seleções nacionais ou ligas profissionais?

RE – Na minha opinião não são bem iguais a outros clubes com maior capacidade financeira.

No entanto, temos atletas da nossa formação a integrarem equipas da primeira liga, como é o cado do guarda-redes Lourenço Soares que, atualmente faz parte do plantel da equipa de Sub19 do Sporting Clube de Portugal (SCP) e já esteve no banco da equipa sénior do mesmo clube, num jogo da primeira liga.

A nossa atleta, Ana Catarina, que esteve nas nossas seniores femininas, é campeã em Espanha, campeã da Europa e marcou o penalty que deu o campeonato do mundo ao seu clube, o Gijón HC. Temos ainda atletas seniores femininas que já foram chamadas à seleção nacional, como a Tânia Freire e a Marta Marujo.

CL – Contam com um amplo palmarés. Quais os títulos ou feitos que gostaria de distinguir?

RE – Todos eles são importantes, mas destaco alguns: a vitória dos nossos Sub19 na Taça da APL na época 2022/23; a conquista do segundo lugar no campeonato nacional, pelas seniores femininas na época 2018/19; o 1.º lugar ocupado pela nossa equipa de Masters na Taça Mundial em 2019; e a conquista da Taça APL em 2022 pelos nossos Sub17. É também de evidenciar as várias presenças da nossa equipa sénior feminina em quase todas as fases finais do seu escalão. 

CL – Pode enunciar alguma(s) atleta(s) do clube que sejam futuras promessas?

RE – Temos um excelente grupo, mas a nossa guarda-redes, Inês Caldeira, é de topo. As suas exibições são constantemente motivo de destaque na Champions League e temos a Marta Marujo que inclusive já esteve nas opções do selecionador nacional. É também de mencionar as gémeas, Sara e Raquel Correia que constam da convocatória de sub 17 regional.

No entanto ser uma promessa ou destaque, para nós não é relevante, pelo menos enquanto se mantiver o estado das coisas, isto é, assim que formamos alguém que se destaca, vêm logo os clubes maiores buscá-los a custo zero. Por exemplo, perdemos quase a totalidade da equipa de sub 19 que se evidenciou ao vencer a taça APL.

CL – Quais as estratégias levadas a cabo para atrair mais atletas para a modalidade?

RE – Nos últimos dois anos criámos diversas iniciativas de captação, como demonstrações em escolas e colégios da freguesia, distribuição de flyers e panfletos e divulgação através do nosso site e redes sociais. Conseguimos entrar em contraciclo com os restantes clubes, que perderam atletas, e o SHCM foi o clube da APL que mais cresceu entre 2020 e 2022, e com o maior número de atletas no escalão de iniciação.

Infelizmente, tal como mencionado, devido ao número de horas limitado que temos para o uso do pavilhão, tivemos que abrandar esta captação. A questão do tempo limitado reflete-se também na retenção de atletas. Para crescermos e mantermos bons resultados, são necessárias horas de treino de que não dispomos, pelo que temos de manter o número de atletas que nos permita desenvolver esta modalidade, e praticá-la com qualidade e de forma responsável.

Continuamos a investir na modalidade uma vez que todos os anos aumenta o número de atletas que deixam de jogar hóquei em patins…nós atuamos no sentido contrário, fornecendo atletas, treinadores, dirigentes e até delegados formados aqui no clube.

CL – Pode partilhar algumas histórias inspiradoras de jogadoras que passaram pelo clube e alcançaram sucesso no hóquei feminino? 

RE – A atleta Ana Catarina, atualmente jogadora do Gijón HC, que como referi, venceu tudo que havia para vencer pela sua equipa. Porém, julgo que a história mais inspiradora que temos a oferecer é a da “Pulga”, a atleta Tânia Freire, que depois de representar inúmeras vezes a seleção nacional e o nosso clube, trabalha hoje como treinadora da nossa equipa sénior feminina, com a mesma entrega e paixão pela modalidade que tinha antes, unindo gerações e transmitindo os valores do nosso clube.

Foto: SHC

APOIOS NA SUPERAÇÃO DE DIFICULDADES

CL – Quais são os principais desafios que o clube enfrenta e quais estratégias que estão a ser implementadas para superá-los?

RE – Um dos nossos maiores desafios é, como já referi, a limitação da utilização do pavilhão onde estamos sediados. Desde que assumimos a direção mantido um estreito contacto com a Junta de Freguesia de Massamá e Monte Abraão e com a Câmara Municipal de Sintra (CMS), no sentido de se agilizarem alternativas e soluções de forma a conseguirmos ter um espaço onde possamos exercer e desenvolver a nossa atividade, dando melhores condições aos nossos atletas atuais e permitindo captar mais atletas e fazer crescer o clube.

Outro grande desafio passa pelo financiamento do clube que, à semelhança do que se verifica com outros clubes, é fraco e escasso. Sentimos na pele todo o foco que é dado ao futebol em detrimento de outras modalidades. Os financiamentos públicos atribuídos aos clubes – que se substituem ao estado no papel de oferecer às populações atividade física – têm sido constantemente reduzidos. Tentamos recrutar empresas, apelando à responsabilidade social das mesmas, fazemos atividades lúdicas no sentido de angariar fundos, rifas, sorteios, etc…o apoio dos pais e o comércio local também fazem donativos ao clube ajudando-nos a suportar os custos inerentes ao seu funcionamento.

CL – Quais os apoios dados ao Clube pela Junta de Freguesia de Massamá e Monte Abraão onde e pela CMS?

RE – Os apoios financeiros dados quer pela Junta de Freguesia quer pela CMS têm vindo a diminuir substancialmente. Em 2023 recebemos 37% do valor rececionado em 2020. No entanto, não podemos deixar de destacar o papel da autarquia ao ceder-nos o pavilhão desportivo da Escola Secundária Stuart Carvalhais, suportando ainda todos os custos inerentes ao consumo de água e luz inerentes à nossa atividade. 

CL – Quais são os parceiros e patrocinadores do clube e de que forma é que eles contribuem para o seu sucesso?

RE – Na presente época temos como patrocinadores principais: JAC Products (Benjamins), ACPA – Gabinete de Projetos e Automação (Escolares), Clínica Veterinária de Lourel (Sub13), Miguel Fuentes – Estores e Caixilharias (Sub15) e Termibérica (Seniores Femininas). Estes patrocínios não representam apenas um investimento no escalão patrocinado, sendo também um dos motores que impulsiona o desenvolvimento do clube, dos nossos talentosos atletas e da modalidade como um todo. Eles são vitais para o nosso funcionamento e para fazer face a todas as despesas. 

Como parceiros temos a Strike (empresa fornecedora de equipamentos) e a JET (empresa fornecedora de material de hóquei em patins). A parceria com estas duas empresas permite-nos praticar hóquei em patins com materiais de alta qualidade, que elevam o clube e a modalidade. 

Foto: SHC

HÓQUEI NO FEMININO

CL – Que balanço faz desde a implementação do hóquei feminino no clube até agora?

RE – A Stuart HCM sempre foi um clube eclético, apenas estivemos sem as seniores femininas na direção que nos antecedeu que tinha outra visão e que paralelamente coincidiu com a criação da equipa sénior feminina do Sporting Clube de Portugal que na altura ficou com mais de 6 das nossas atletas entre as quais jogadoras da seleção nacional como a Ana Catarina, a Inês Caldeira, a Sofia Moncóvio, a “Pulga” e a Adriana Costa que integrava a seleção feminina do Brasil.

Assim que assumimos a direção decidimos recuperar o hóquei feminino, apostando nas atletas que estavam na formação, e contando com alguns regressos a casa. 

O balanço é francamente positivo, sentimo-nos felizes e realizados quando vemos atletas que estiveram no Stuart, e que hoje jogam, por exemplo, em Espanha, ou até, quando contribuímos para o hóquei nacional ao termos atletas da nossa formação na recém-criada equipa da Física de Torres Vedras. 

CL – Como descreve o estado atual do hóquei feminino no país e de que forma é que o clube está a trabalhar para aumentar o público e o interesse pelo hóquei feminino?

RE – Diria que mais do que um desporto, o hóquei é uma paixão e ninguém esquece uma paixão que tem ou teve na vida. E é essa paixão que sustenta o hóquei em patins nacional, seja ele masculino ou feminino. Começa com pais a apertar patins, e termina com pais a sofrer ou a festejar nas bancadas. A nossa seleção e os nossos clubes são dos melhores do mundo, as reflexões a serem tiradas, devem ser a nível Federativo e Associativo, porque mais uma vez reforço, a paixão está lá. 

Gostaria ainda de salientar que somos pioneiros e líderes na questão das redes sociais quanto à promoção da beleza do hóquei em patins feminino. Partilhamos conteúdos de páginas da modalidade como por exemplo as “Raparigas do Hóquei” e até os conteúdos das páginas de outros clubes, porque consideramos que o propósito aqui está acima de qualquer interesse pessoal e segue uma lógica de crescimento sem egos… quanto maior for o SHCM, maior será o hóquei em patins nacional e quanto maior for o hóquei em patins nacional, maior será o nosso clube!

NOTA: Artigo escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

Autor: Raquel Luís

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