José Coelho: “Vamos reordenar a actividade da pesca com a do recreio”

O capitão-de-fragata José Manuel Marques Coelho, de 43 anos, tomou posse, no passado dia 27 de Outubro, como Capitão do Porto de Cascais, função que acumula com o cargo de Comandante da Polícia Marítima de Cascais, rendendo no cargo o capitão-de-fragata Paulo Sérgio Gomes Agostinho, que se encontrava em funções à frente daquela Capitania desde Agosto de 2020.

Natural de Paredes, no distrito do Porto, com o rio Sousa (afluente do Douro) logo ali ao lado, o novo responsável pela Capitania cascalense ingressou na Marinha em resposta a um anúncio publicado na Imprensa a solicitar novos elementos para este ramo das Forças Armadas. Iniciou, assim, uma carreira que o levou a ocupar vários postos, nomeadamente a bordo do navio-escola Sagres, embaixador de Portugal no Mundo.

Antes de assumir a actual missão, o oficial desempenhou funções como Capitão do Porto da Póvoa de Varzim e Capitão do Porto de Vila do Conde, no período entre 2016 e 2020, tendo merecido os mais rasgados elogios das comunidades locais, mercê de uma interacção de proximidade com as populações, que tem produzido resultados e merecido aplausos.

Reiterando o compromisso com a missão da Autoridade Marítima Nacional de “prestar um serviço público eficaz, eficiente e de qualidade”, José Manuel Marques Coelho assume o comando de uma Capitania com um espaço de jurisdição que se estende desde o Forte de S. Julião da Barra, em Cascais, até à Foz do rio Sizandro, em Torres Vedras, tendo a seu cargo a vigilância de 49 praias, distribuídas por quatro concelhos.

Jornal ‘O Correio da Linha’ (CL) – O que realça da missão à frente da capitania do Porto da Póvoa de Varzim e do Porto de Vila do Conde?

José Coelho (JC) – Foram quatro anos muito marcantes. Um oficial de Marinha tem sempre esta oportunidade de fazer carreira, também, na Autoridade Marítima. São duas realidades muito distintas. A Escola Naval é uma escola de vida, acima de tudo, mas depois de 12 anos de Marinha Militar, de contexto militar, chegar a uma capitania é um grande desafio, muda bastante o paradigma.

O ambiente é o mesmo, embora na Marinha seja mais o mar alto e a aproximação a terra. Aqui é uma abordagem conjunta, mar e terra, mas acima de tudo é uma abordagem muito virada para a sociedade, ao contrário do que sucede no contexto militar. E com muito procedimento administrativo, muito procedimento criminal, realidades a que nós não estamos habituados na Marinha.

Mas isto é o impacto inicial das mudanças, agora a experiência numa capitania é transcendente. Ao nível profissional, o sentido de serviço público é aquilo que eu costumo relevar. Sentir que estou a trabalhar para alguma coisa concreta no momento, que estou a ajudar a resolver problemas. E a satisfação pessoal também é relevante. A figura do Capitão de Porto acaba por ser uma autoridade local muito respeitada e conceituada na comunidade em que presta serviço e isso traz orgulho pessoal e honra.

CL – Recebeu votos de louvor, um dos quais atribuído pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim. Sei que participou em várias sessões de esclarecimento, algumas realizadas em escolas, para estudantes. Em que medida valoriza esse contacto mais directo com a comunidade?

JC – Gostei muito dessa parte. Eu mudei-me com a família, tinha dois filhos pequenos na escola e acabei por integrar-me na sociedade de uma forma muito intensiva na comunidade escolar. Esse envolvimento foi muito gratificante. Participei em muitos projectos e era um voluntário entusiasta, sempre na aproximação aos jovens, desde o ensino básico primário até ao secundário. Envolvi-me em todas as actividades que permitissem aproximar a comunidade do mar.

A comunidade foi muito fustigada no passado, e continua a ser, com acidentes trágicos. O meu mote acabou por ser inverter a posição que ouvia de uma sociedade voltada de costas para o mar, inverter essa abordagem a começar pelos mais novos, porque os mais velhos, muitos deles, veêm o mar como trágico. A grande mensagem que eu queria passar para os mais novos era: o mar é um mundo de oportunidades.

O mar não é só o flagelo da pesca, o mar é muito mais do que isso. Aquela comunidade vivia muito à sombra disso, o flagelo da pesca, que criava a aversão ao mar. Por isso a minha missão, era isso que eu procurava, era mostrar aos jovens as potencialidades do mar, ajudá-los a perder esse medo do mar. Dava-lhes a conhecer os interlocutores e a missão da Autoridade Marítima, particularmente o Salvamento, explicar como funciona, as suas particularidades, as limitações e potencialidades, o comportamento de risco, a educação, a cidadania marítima, o cidadão ter consciência do que é o mar, a aproximação ao mar.

CL – Esta proximidade com os jovens vai repetir-se aqui, na Capitania de Cascais?

JC – Sim, claro. Continuo a acreditar que temos de apostar muito nos jovens para esta vertente de aproximação ao mar. Há diferenças da Póvoa para aqui. Aqui há muito mais Desporto Náutico do que havia lá. Essas e outras actividades náuticas estão mais evoluídas, mas mesmo assim há muitas áreas para explorar. As oportunidades que existem no mar são quase infinitas e nós somos uma nação marítima, temos que saber que o mar tem muita coisa para explorar em muitas áreas distintas. Começar nos mais novos é abrir-lhes os horizontes, é mostrar-lhes aquilo que muitos não conseguem ver, devido ao contexto sociocultural onde vivem, que não lhes permite perceber. É este trabalho que eu procuro fazer. Trata-se de um projecto de educação sobre o mar que as escolas não conseguem fazer. Às vezes, são coisas tão simples como promover uma visita de estudo a uma estação salva-vidas, uma interacção com a Polícia Marítima, com as Autoridades Marítimas. Isso é muito importante.    

“SATISFAÇÃO DO DEVER CUMPRIDO”

CL – Quais foram os melhores momentos que viveu nas Capitanias da Póvoa de Varzim e de Vila do Conde?

JC – De uma forma geral, a satisfação do dever cumprido. Eu não tenho um momento particular que possa referir. Momentos muito marcantes, para o bem e para o mal, foram os salvamentos. Os que correram bem, foram motivos de alegria enorme e de grande emoção. E os que correram mal também foram geradores de grande emoção pela tragédia que implicaram. Lembro-me particularmente de um, já na fase final da minha missão. Um salvamento em que participei em que foi difícil conter as emoções. E correu bem. E também me lembro das primeiras mortes, de um banhista e de um pescador, que foram dias de tormenta, até conseguir digerir essas vivências. Mas anda tudo à volta do salvamento, o resto acaba por ser um bocadinho de serviço público, de serviço administrativo.

CL – Quais foram os desafios mais exigentes que enfrentou nas duas Capitanias do Norte do País?

JC – Foram desafios em várias vertentes. Eu destacaria o ordenamento do espaço nas praias. Um dos grandes desafios foi ordenar, permitir que todos usufruíssem do espaço balnear, mas com regras e respeitando os diferentes tipos de uso. Como acontece aqui em Cascais, há espaços que são muito procurados e, como o espaço disponível é reduzido, é preciso ordenar, redistribuir… isso foi um desafio enorme.

Outro desafio, no seguimento da primeira morte que tive no sector da pesca, foi criar mecanismos que permitissem reduzir o risco. Um desses mecanismos foi promover a saída ordenada e acompanhada dos pescadores nas situações de mau tempo, em que as embarcações seguiam numa espécie de comboio, acompanhado pelo salva-vidas. O período trágico era sempre quando a barra ia abrir ou fechar. Na zona de transição, quando o mar está mais agreste, o perigo aumenta. A morte que referi aconteceu numa situação dessas.

CL – E, em Cascais, quais vão ser os seus principais desafios?

JC – Eu acho que acabam por ser muito semelhantes. Aqui o efeito do mau tempo não é tão significativo como no Norte, ali é uma preocupação quase diária. Mas também não deixa de ser uma realidade, porque temos aqui o Cabo da Roca e o Cabo Raso. E ainda tenho sob minha responsabilidade a costa Norte, até ao concelho de Torres Vedras.

CL – Ter a seu cargo a vigilância de 49 praias, distribuídas por quatro concelhos (Cascais, Sintra, Mafra e Torres Vedras), não é uma tarefa nada fácil…

JC – São muitas praias, sendo que aquela parte já da costa Oeste é um bocadinho mais agreste. E depois também temos aquele portinho da Ericeira, que está um pouco mais exposto do que o porto de Cascais. O desafio acho que é mais na praia, na gestão dos vários tipos de usos. Conseguir conciliá-los e agradar a todos é impossível, mas é importante ser coerente e ter critério, para que as pessoas percebam. Mesmo que não concordem, há uma regra e a regra é pelo bem comum, não beneficia mais este do que aquele. Esta função é partilhada sobretudo com o Município, mas também com a comunidade.

Aqui, uma coisa que eu reparei é que, havendo muita actividade náutica, há também um número bastante significativo de percepções nem sempre muito claras de quem lançou o alerta e da gravidade da situação. E isto é muito difícil de gerir, porque acaba por implicar um empenho de recursos muito exagerado. Depois, para não cairmos na história do ‘Pedro e do Lobo’, saímos sempre em missão e muitas vezes em vão.

Estas situações consomem muito tempo e recursos inutilmente. Saturam. Em relação ao surf, windsurf e padel, recebemos muitos alertas de pessoas que estão em terra e que têm a percepção de alguém em situação de perigo, só porque o mar está alterado, e afinal não está, está tudo bem, está só um pouco mais afastada da costa.

CL – No imediato, quais são as principais apostas aqui no porto de Cascais?

JC – Destaco, por exemplo, os armazéns de aprestos dos pescadores, que foram agora inaugurados. A parte funcional e estética do cais é um dos principais objectivos. O outro é o reordenamento da bacia de Cascais, dos fundeadouros, da pesca, do recreio. É outro projecto que está em curso e que pretendemos acabar. O porto tem só este cais pequeno, para manobra, e o parqueamento das embarcações é fundeado. Vamos também criar um novo sistema de amarração, pois o actual está a ficar deteriorado, não oferece confiança, e vamos reordenar a parte da pesca com a parte do recreio. Trata-se de uma zona muito procurada, com muita actividade, e temos que reformular, dar mais confiança ao espaço. 

Temos também um parque marítimo intermunicipal para regular, um projecto que está ainda em processo de estudo. Vai daqui até Mafra e vem reordenar um bocadinho e impor algumas regras para proteger o Ambiente, mas respeitando os usos e costumes e os diferentes tipos de utilizações que existem, da pesca ao recreio, tentando encontrar um ponto de equilíbrio.

CL – Quantos meios humanos tem à disposição?

JC – Menos do que gostaria. Neste momento, o que está mais debilitado é a Estação Salva-vidas, que tem um défice de pessoal. Em Cascais, acabamos por reforçar o efectivo com um quadro de Marinha, que não é especializado nesta área, mas que ajuda. O recrutamento não tem sido fácil. No último concurso para tripulantes, das 18 vagas disponíveis, ocupámos nove posições. Entretanto, durante este ano, saíram mais quatro elementos e estamos numa situação muito debilitada. Neste momento, tenho três tripulantes em Cascais e um na Ericeira. E depois tenho o reforço de mais três elementos em Cascais, que não são tripulantes. É uma situação de recurso, digamos assim. Entretanto, abriu um novo concurso nacional para tripulantes e contamos vir a receber alguns desses elementos que vão ser distribuídos pelo País.

Em termos de Polícia, conto com 18 elementos, alguns com limitações médicas, mas vai permitindo cumprir a missão. Estão distribuídos por dois locais, Cascais e Ericeira, e a estrutura divide-se entre a Polícia Marítima, a Capitania e a Estação Salva-vidas. Fazia diferença ter um efectivo maior. É uma área muito grande para a equipa que temos. Entre o piquete e as patrulhas, consomem-se muitos recursos e depois não temos capacidade de actuação.

Foto: Paulo Rodrigues

“A PERCEPÇÃO DA RESPOSTA IMEDIATA NO MAR É SUBJECTIVA”

CL – Estes elementos são suficientes para assegurar todas as responsabilidades destas três estruturas?

JC – É uma área enorme, temos o esquema de separação de tráfego do Cabo da Roca, que é a navegação de comércio, escolas de surf, uma reserva mundial de surf, uma reserva marinha das Avencas (Parede), duas áreas de ‘scooping’, seis fundeadouros em Cascais, muitas arribas instáveis… Na busca e salvamento, obviamente, que é muito limitativo. Temos uma estação salva-vidas aqui em Cascais e outra na Ericeira, com capacidade de resposta limitada, que demora sempre bastante tempo. As pessoas costumam ficar um bocado assustadas com isso, mas a percepção da resposta imediata no mar é subjectiva, porque o mar é imenso. A Capitania de Cascais, em teoria, é responsável pelo mar até ao limite do nosso vizinho mais próximo, que é o Canadá ou os EUA.

O problema do pessoal é que é preciso que exista esta percepção da necessidade de aumentar o efectivo ao nível da decisão política. Acima de tudo, é uma decisão política. É preciso aumentar a fiscalização, o controlo disto e daquilo, claro que sim, o problema é que os recursos são limitados. 

CL – Com quantas embarcações conta a Capitania do Porto de Cascais?

JC – No Instituto de Socorros a Náufragos temos uma embarcação salva-vidas com capacidade para 12 náufragos, que opera até às 40 milhas, e que está disponível em Cascais. Ainda em termos de salvamentos, temos também umas embarcações semi-rígidas mais pequenas, para actuação mais próxima, de resposta mais rápida. Temos uma grande e uma pequena, uma moto de água, que nos permitem responder às ocorrências mais próximas.

Na Polícia Marítima temos uma embarcação grande, de alta velocidade, e também uma moto de água para ocorrências mais próximas. Em termos de meios náuticos, contando com as motos de água, dispomos de seis unidades.

Em terra, dispomos de seis viaturas, entre operacionais e administrativas. Muitas vezes, temos que complementar com uma capitania vizinha, quando alguma das nossas unidades está avariada, ou em reparação. Não posso dizer que tenho poucos meios materiais, embarcações e viaturas. Gostava era de poder utilizá-los mais vezes e por mais tempo.

CL- Como estão a correr os cursos de formação de nadadores-salvadores? Este ano, ocorreram dificuldades em encontrar elementos suficientes para estarem presentes nas praias, durante a época balnear, a situação piorou?

JC – Eu não diria que se agravou, eu acho que é um problema recorrente todos os anos.  O processo dos cursos dos nadadores-salvadores é igual há vários anos e acontece sempre da mesma forma. É uma actividade sazonal e temporária, que ocorre numa determinada fase da vida das pessoas, não é uma carreira, não é uma comissão, são poucos os que fazem de isto profissão. Os cursos vão sendo dados, mas muitos jovens que participam neles lembram-se que querem ser nadadores-salvadores em Junho ou em Julho e já é tarde, não planeiam. E às vezes há falta de candidatos nos cursos de Inverno.

O segundo problema é que, por exemplo em Cascais, a época balnear começa em Maio e a maior parte dos potenciais candidatos, que são estudantes, ainda estão em aulas, ou são trabalhadores que tiram um período de Verão, um mês ou pouco mais, para fazer um part-time, mas também não têm a disponibilidade dos seis meses. Isto acaba por criar grandes dificuldades. As épocas balneares foram crescendo e a população que alimenta este sistema é a mesma, mantém-se o mesmo tipo de candidatos, que são, acima de tudo, estudantes universitários e do ensino secundário, que têm a limitação do período escolar.

CL – Como vê a situação de abandono e elevado estado de degradação, geradora de insegurança, dos antigos viveiros de marisco existentes junto ao cabo Raso?

JC – É uma das áreas em que vamos ter de intervir. Já fiz um reconhecimento. São estruturas abandonadas, que importa requalificar, ou então demolir por completo.

CL – O estado das arribas, nomeadamente em muitas praias bastante frequentadas, é uma preocupação?

JC – É óbvio que o estado das arribas é uma preocupação. A minha principal missão nisto é identificar situações de risco, ou alterações. Quem controla estas áreas e quem faz a análise das interdições é a Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Nós colaboramos identificando situações diferentes daquilo que está previsto, em risco de ruir ou a ocorrência de uma queda de pedras ou casos em que é preciso voltar a analisar por ter mudado a morfologia. A tendência tem sido de um aumento da erosão, muitas vezes na sequência do mau tempo. Muitas vezes, também ocorrem comportamentos de risco das pessoas, que deviam ser evitados. A nossa costa é imensa e está cheia de situações destas. São muitas intervenções, necessárias e urgentes, que há por fazer e são todas caríssimas, projectos gigantes, grandes obras de arquitectura.   

CL – Os problemas ocorridos com orcas e a interacção que estes animais têm vindo a ter com embarcações de recreio têm merecido algum tipo de acção por parte da Capitania?

JC – Está um grupo de trabalho criado, entre o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, a Marinha, a Associação Nacional de Cruzeiros, universidades, um grupo de biólogos. Além dos alertas que fazemos, estamos a criar mecanismos para tentar, de forma que não magoe os animais, afastá-los, com um sistema acústico que estamos a desenvolver. Temos dois ou três projectos de mecanismos que servem esse propósito. Felizmente, não há ainda nenhuma morte a registar, mas já foram danificadas e afundadas embarcações em consequência de interacções das orcas ibéricas. As embarcações de recreio estão também a navegar mais perto da costa para fugirem às orcas, que acompanham a migração do atum, um dos seus alimentos.

CL- O acompanhamento e fiscalização, quando necessário, das embarcações que passam ao largo da nossa costa está assegurado?

JC – Sim, está. A evolução tem sido imensa nessa área. Particularmente, com o apoio da Agência Europeia de Segurança Marítima, sediada em Lisboa, e do sistema de satélites que eles têm. Este sistema de satélites tem evoluído imenso e já conseguimos detectar manchas de combustível com bastante rigor. Em muitos casos, já conseguimos associar a mancha aos navios que passaram pela área afectada. Uma das dificuldades é a recolha do meio de prova. Manchas dessas a chegar a terra temos muito poucas e descargas dos tanques são cada vez menos. Desde a utilização dos mecanismos de detecção com recurso aos satélites esse tipo de situações diminuiu muito. Se acontecem, passaram a fazê-lo em alto mar, muito longe da costa.

CL – Existem bóias de sinalização avariadas que demoram um tempo considerável até serem reparadas. Isto não constitui uma preocupação para a navegação?

JC – Constitui uma preocupação, sim, é verdade. Eu estou a fazer um levantamento, tenho em cima da minha secretária a relação de bóias e luzes existentes e estou a actualizar as que se encontram avariadas. São um perigo para a navegação e podem causar um acidente desnecessário. Se não tiverem sinalização nocturna, que é o problema da maior parte delas, podem causar danos. É um problema que eu vou ter que aprofundar. Muitas dessas bóias são propriedade dos operadores, são privados, mas existem responsabilidades e temos que chamar essas responsabilidades. Isto tem de envolver a DGRM (Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos), por ser a entidade gestora da licença. A Capitania tem o dever de alertar porque é uma questão da segurança da navegação que está em causa.

CL – Como é que está a relação entre a Capitania e a comunidade local de pescadores?

JC – É um bocado prematuro fazer a minha análise. Não me foi indicado qualquer problema, é uma relação normalíssima, de cooperação, de respeito, cada um com as suas funções, ambições e interesses. Isto é sempre uma balança entre a necessidade de cooperação, porque temos de trabalhar em conjunto, e depois o órgão de policiamento com o utilizador. É uma relação em que temos de procurar sempre uma balança muito equilibrada. Por um lado, estamos cá para servir. Mas, por outro, também estamos cá para supervisionar e fiscalizar.

CL – Que tipo de apoio é prestado aos pescadores pela Capitania, para além da informação sobre o estado do mar?

JC – Um deles, o principal, é o salvamento. Depois vem a parte administrativa, de inscrição marítima, vistorias, registos.

CL – Quais os principais problemas que os pescadores têm tido em termos de fiscalização?

JC – Eu não diria que tem havido problemas. Há sempre o abuso da pesca excessiva em zonas não permitidas. É sempre esta a principal dificuldade, o jogo do rato e do gato. Não tenho conhecimento de infracções muito graves, mas, como em qualquer actividade, há sempre alguns que andam ali no limite. E é esse o nosso controlo. Não tenho qualquer indicação de que exista uma aversão à actividade da Polícia ou que a nossa intervenção seja mal recebida. Há sempre algumas infracções, umas maiores outras menores, e nós temos que ir controlando, mas funciona bem.

CL – Entre adquirir dois submarinos ou uma dezena de corvetas de patrulhamento da costa, o que é mais importante para o País?

JC – O problema é que não podemos adquirir tudo, porque tudo é importante. E temos que gerir os esforços, umas vezes para a direita e outras para a esquerda. Nós temos compromissos internacionais como aliados e os cenários da actualidade têm mostrado a importância da existência destas alianças militares, que estavam um bocadinho em segunda linha. Nós temos compromissos com os aliados para ter uma força naval e para ter meios para a disponibilizar para o esforço global. E são várias as alianças em que estamos.

Obviamente, também precisamos de ter meios para poder patrulhar a nossa costa, porque é imensa e com muitas actividades. E, além de proteger os recursos, o Ambiente, também temos de salvar vidas e salvaguardar a segurança no mar. Temos a questão da soberania para preservar, mas o submarino também contribui um bocadinho para isso. Não permite a presença para a missão da fiscalização e do salvamento, mas permite a presença para a soberania.

Foto: Paulo Rodrigues

“GOSTO DO SENTIDO DE SERVIÇO PÚBLICO”

CL- O que o levou a optar por este tipo de missão?

JC – O que gosto neste cargo que agora ocupo é o sentido de serviço público e comunidade. Gosto desta missão de trabalhar para a comunidade, sempre tive esta ambição desde que comecei a Escola Naval. Sempre achei que ser Capitão de Porto era um trabalho muito digno e muito enriquecedor, gratificante. Mas também gosto muito da Marinha. Se me chamarem de repente, vou todo contente, porque também gosto dessa vertente.

CL – O que é mais aliciante? É ser Capitão do Porto ou Comandante da Polícia Marítima?

JC – São duas abordagens diferentes. O Capitão do Porto tem muito mais interacção com a comunidade. O Comandante da Polícia Marítima, aplicando muito bom senso e muita sensibilidade, na prática tem de fazer cumprir a lei e garantir a ordem e o ordenamento. Não consigo dizer de qual das duas missões gosto mais, as abordagens são diferentes. Mas são duas missões que acabam por ser complementares. É muito útil para o trabalho, quer de um quer de outro, trabalharmos juntos, sentarmo-nos os dois na mesma cadeira.

A Autoridade Administrativa está muito próxima da Autoridade Policial. Isto facilita muito a missão da Autoridade Policial, porque qualquer coisa que precise da Autoridade Administrativa está lá, na porta ao lado. E o contrário também é verdade, o cumprimento de uma ordem, uma orientação ou uma determinação do Capitão do Porto é muito mais fácil de implementar. Falarmos a mesma linguagem e trabalharmos no mesmo sítio é muito mais eficiente, é bastante produtivo e facilita muito a burocracia.

CL – Pode partilhar com os nossos leitores um episódio que mais o tenha marcado, ao longo da sua carreira?

JC – Posso partilhar um de Marinha, um episódio que me marcou bastante. Fui oficial do navio-escola Sagres. Viajamos muito pela diáspora portuguesa. Numa dessas viagens, parámos no porto de Rouen. Lembro-me de um português chegar a bordo e dizer de forma muito sentida: “isto é a minha pátria, é a minha casa”. As pessoas ficam emocionadas e nós, que estamos a bordo, ao vivermos estas situações, percebermos o que representa chegar um navio português à diáspora. É bastante emocionante.

Na Autoridade Marítima, os episódios mais marcantes são os salvamentos com sucesso, sobretudo aqueles em que interagimos com as pessoas. Tenho um episódio muito marcado na memória, ocorrido na praia de Vila Chã, que é um portinho de varadouro, onde as embarcações entram pela areia, com um acesso bastante difícil. Uma madrugada, recebi um alerta de que estava uma embarcação presa nas rochas, a precisar de ajuda. O patrão da embarcação era um senhor com 82 anos, que estava em apuros com mais dois tripulantes. Como era muito arriscado colocar o salva-vidas naquela zona de rebentação, onde havia muitas rochas, o salvamento do idoso acabou por ser feito por um dos pescadores locais, que o foi buscar e o trouxe para terra. Todas as pessoas ajudaram. Com a ajuda da comunidade conseguimos trazer a embarcação para terra. Não morreu ninguém, só se verificaram ferimentos ligeiros, e no fim ainda conseguimos fazer um peditório junto da população local para pagar a recuperação da embarcação. Acabou por correr tudo bem. Viu-se ali uma comunidade em sofrimento a tentar ajudar quem precisava.

CL – De Paredes para o mar. Como aconteceu a sua entrada na Marinha?

JC – Depois de completar o 12.º ano, estava um bocadinho na dúvida em relação ao meu futuro, mas tinha uma apetência para tentar a vertente militar, sem qualquer preferência entre o Exército, a Marinha, a Força Aérea ou a GNR. Essa era uma das áreas a explorar, a outra era a Ciência, eu gostava muito de Química. O meu sonho era ter sido Engenheiro Químico ou algo parecido, mas, como não dava para fazer tudo, tive de escolher uma. A decisão acabou por surgir depois de ler um anúncio no jornal a pedir pessoal para a Marinha. Acabei por concorrer e entrar. Foi um acaso da vida, mas parece que nasci para isto, não me imagino a fazer outra coisa. 

Autor: Luís Curado

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