José Vicente-Paulo: “Temos um produto único no Mundo”

Quem entra na vila de Colares vindo de Sintra, depois de atravessar a ponte sobre o rio das Maçãs (ou rio de Colares), é surpreendido com a Adega Regional de Colares (ARC), um edifício imponente que tem o nome da instituição pintado em azulejos azuis, brancos e amarelos. Instalada no número 32 da Alameda Coronel Linhares de Lima, à sombra de uma ala de frondosos plátanos, a adega cooperativa mais antiga de Portugal, fundada em 1931, reúne entre 70 a 80% da produção DOC da região vinícola de Colares e mais de 90 por cento dos produtores locais. A Adega produz vinhos da Denominação de Origem Controlada (DOC) de Colares, a região Demarcada mais ocidental da Europa Continental, criada em 1908. Também produz vinhos Regionais Estremadura e vinhos de Mesa, todos néctares apreciados pelas suas características únicas.

Considerada a mais pequena região produtora de vinhos tranquilos (que não contêm gás, não são fortificados ou generosos e têm cerca de 14% de álcool) do País, a Região Demarcada de Colares está limitada a Oeste pelo Oceano Atlântico e a Sul pela serra de Sintra, numa zona junto ao mar, distribuída por três freguesias: Colares, São João das Lampas e São Martinho. Originários de videiras da era pré-Filoxera, uma terrível praga que em meados do século XIX destruiu vinhedos em toda a Europa e levou à ruína muitas casas famosas, incluindo na Região Demarcada do Douro, os vinhos de Colares são produzidos com duas castas únicas, Malvasia de Colares (vinho branco) e Ramisco (vinho tinto), provenientes de vinhas instaladas em solos arenosos. Estas duas castas contribuem com uma representação mínima de 80% nos néctares produzidos.

A somar aos ‘ingredientes’ já assinalados, os vinhos da Região Demarcada de Colares são influenciados pela proximidade ao mar das vinhas que produzem as uvas utilizadas na confecção dos mostos. A aposta da ARC reúne um conjunto de propósitos que sempre a caracterizaram: a protecção e preservação da cultura do vinho que produz, das suas castas e dos seus métodos de cultivo originais. Pretende-se, assim, respeitar o ‘terroir’ (palavra francesa que integra um conjunto de factores que influenciam o desempenho da vinha e a qualidade da uva, determinantes na personalidade de um vinho) de Colares, proteger uma herança recebida do passado e dar continuidade a um conjunto de conhecimentos que permitem manter a produção de néctares únicos. De acordo com a descrição feita pelo Wine Tourism in Portugal, na ARC “produzem-se vinhos temperamentais do Velho Mundo Vitícola”.

Foto: Paulo Rodrigues

O edifício imponente que alberga a ARC desde a sua fundação guarda no interior um significativo conjunto de tonéis de enormes dimensões, em carvalho francês, nos quais são envelhecidos os vinhos desta Região Demarcada produzidos na Adega. O imóvel histórico, marcado por um ambiente romântico e moderno, conta com uma loja própria e espaços para realização de reuniões, festas, casamentos e outro tipo de cerimónias. De realçar também a existência de uma Estufa e de um jardim com cerca de 2.000 metros quadrados. À frente da ARC, na administração da cooperativa, está José Vicente-Paulo, engenheiro agrónomo de formação, que assumiu esta função em Junho de 1994. Cabe-lhe assegurar o equilíbrio entre um projecto que defende a continuidade de uma herança baseada na preservação de tradições mantidas ao longo de séculos e a necessidade de preparar a cooperativa para enfrentar os desafios do futuro.

“A ADEGA TEM UMA FUNÇÃO SOCIAL”

Jornal ‘O Correio da Linha’ (CL) – Quais têm sido as linhas mestras da sua gestão à frente da ARC?

José Vicente-Paulo (JVP) – Isto é um trabalho voluntário. Eu nasci na Agricultura. O meu avô tinha vinhas, acompanhei-o durante muitos anos e vi quais as dificuldades que os agricultores tinham. Decidi que o meu objectivo seria ajudar as populações, sobretudo naquilo que tem a ver com o acesso ao mercado, que é um dos maiores problemas dos nossos pequenos agricultores.

A Adega teve uma comissão administrativa entre 1984 e 1994. Uma das coisas que eu sempre fiz foi tentar trazer à luz novamente a Região Demarcada de Colares. Quando eu cheguei, em 1994, havia dívidas à Caixa Geral de Aposentações de 50 mil contos (cerca de 250 mil euros), foi um momento muito difícil de ultrapassar. Conseguimos que o Estado, que nos gerou a dívida, nos eliminasse os juros. Começámos a caminhar, mas não foi fácil, passámos a ser uma cooperativa novamente com o estatuto cooperativo normal. A cooperativa existe para benefício dos associados, que são pequenos produtores que não têm dimensão para fazerem as suas adegas e que, portanto, colocam as suas uvas aqui. A adega tinha, e continua a ter, uma função social fundamental. Fazemos tudo aquilo que é importante para os nossos associados. Nós somos 20 associados da denominação de origem, mais uns quantos que produzem vinho regional, sendo que o património da Adega tem um peso brutal sobre as nossas produções. As dificuldades são mais do que muitas.

As funções da Adega sempre foram criar condições para revitalizar a região. Quando eu cheguei, uma das funções que se decidiu pôr em prática imediatamente foi trazer a Adega a património dos associados, que era aquilo que o Estado pretendia quando devolveu a Adega aos associados em 1994. Esse património está aqui, existe, é muito grande em relação às quantidades produzidas e traz com isso uns custos brutais de manutenção.

CL – Como tem sido superada essa dificuldade?

JVP – Quando iniciei funções, verifiquei que tínhamos a adega cheia de vinho, pelo que decidi escoarmos esse vinho ao melhor preço. Contactei agências de viagens, que começaram a vir fazer provas de vinho à Adega. Isso teve muito sucesso. A função de organizar essas visitas acabou por ser atribuída a uma empresa externa, para que fossem feitas com um nível que estivesse de acordo com a Adega e com a região. Foram organizadas provas de vinhos e eventos vários no interior do espaço. O nosso vinho é escoado a bom preço através destes eventos, sendo que as receitas conseguidas com o Enoturismo contribuem para ajudar a pagar a manutenção do espaço.

Paralelamente a isso, abrimos uma prestação de serviços para todas as pessoas que não queriam ser associadas da Adega, mas que tinham as suas quintas e as suas produções, os seus vinhos e as suas marcas, e que podiam entregar aqui as suas uvas. Passou a ser possível a essas pessoas vinificar e depois vir aqui buscar o vinho, até já engarrafado. Esta foi outra área que registou muito sucesso.

Isso só é possível porque a Adega tem essa dupla função. A função social e a função cooperativa, que presta apoio técnico aos produtores. As vertentes principais da Adega são a produção de vinho, o Enoturismo e esta prestação de serviços, que nos tem trazido muita concorrência, o que é salutar.

Foto: Paulo Rodrigues

CL – Quais os maiores problemas que a Adega tem enfrentado?

JVP – Nós estamos numa região sem mão-de-obra. Se eu quiser um homem para trabalhar na Agricultura, não tenho. Decorrente desse problema, verifica-se uma tentativa de recorrer à mecanização. Todas as pessoas que têm vinha querem mecanizar tudo e nós temos de ter cuidado com a mecanização, porque pode levar à descaracterização. Pode mecanizar-se, mas sob certas condições. Temos tentado evitar a descaracterização dos nossos métodos de produção.

Depois, temos o problema de estarmos dentro do Parque Natural e termos de respeitar as suas regras. Tem que haver cuidado com os pesticidas, com as adubações, com as mobilizações, com as fogueiras, cuidado com tudo. Isto vai ao ponto de as paredes de pedra solta, muito típicas na região, que são pedra sobre pedra, quando caem, obrigarem, de acordo com o regulamento, o agricultor a só as poder levantar depois de autorizado pelo Parque Natural. Se isso fosse assim, ficava a parede durante 10 anos por levantar, mas enfim…

Temos também agora um problema adicional que é a questão dos javalis, que não sei como é que vai ser ultrapassado. O ano passado, ocorreu a primeira incidência e implicou para aí uns 5.000 euros de prejuízo em uvas. Não há seguro para isso e o ICNF nada faz para controlar esta praga que ameaça as vinhas. Os javalis andam aí em força, são um perigo para a saúde pública, e não há quem faça alguma coisa, não se faz nada.

Finalmente, é preciso convencer as pessoas de que temos um produto único no Mundo, genuíno, produzido numa região demarcada única só com vinhas de pé-franco. A nossa doutrina é estar sempre a lembrar aos associados para não descaracterizarem o produto, para o manterem tal como ele existia ancestralmente, porque isso é a nossa salvaguarda.

CL – Tem sido fácil essa doutrinação?

JVP – Eles acabam por compreender isso, compreendem através dos pagamentos. Nós pagamos as uvas a 5 euros o quilo e, portanto, isso é petróleo. Eu não me preocupo muito com a quantidade, mas sim com a qualidade, embora possa dizer que a região tem estado a crescer bastante.

CL – Quais têm sido os principais desafios nos propósitos de protecção e preservação da Cultura do Vinho de Colares?

JVP – Temos um problema institucional bastante grave, que é o facto de haver uma directiva/decreto que defende a não utilização e destruição das plantas exóticas. Como estamos dentro de um Parque Natural, isso faz sentido. Mas observando a zona em torno de Colares, pode facilmente constatar-se que existem mais plantas exóticas do que plantas autóctones. Então, o que é que o ICNF decidiu fazer? Proibiu toda a gente de usar canas. Assim sendo, como é que vamos proteger a vinha? A cana tem estado sempre associada à vinha, para a proteger do vento marítimo, etc.. Mas está associada hoje como estava associada há 100 anos atrás. Isso está documentado. E se calhar isso já acontecia há 1.000 anos atrás.

Há uns cinco anos, tivemos uma reunião com a senhora Secretária de Estado da Agricultura a propósito disto. Ela tomou nota do que lhe foi dito, mas respostas sobre o assunto: zero. Ou seja, ainda hoje é ilegal utilizar canas para proteger a vinha, mas ninguém sabe dizer o que é que se pode utilizar, então, para proteger as videiras. Se preferem ter plásticos verdes, azuis, às bolinhas, utilizam-se os plásticos, mas eu acho que tem pouco a ver com a paisagem, para além dos prejuízos causados ao Ambiente.

Esse é mais um dos problemas que temos aqui, tal como o outro, já citado, de termos de nos dirigir ao Parque e pedir uma autorização para podermos levantar as paredes de pedra solta caídas. Isso é a coisa mais estúpida que pode haver, porque a parede é solta, não tem lá cimento, logo porque é que eu tenho de ir ao Parque saber se posso reconstruir a parede?!…

CL – A produção de vinho tem aumentado?

JVP – Aumentou bastante. Não só a Adega, como também a região como um todo, que acabou por ser puxada pela Adega. Nestes últimos 10 anos, devemos ter triplicado a produção. A produção DOC actual anda à volta de 15 mil garrafas de vinho tinto e 10 mil de vinho branco. Depois ainda temos o vinho regional e o vinho de mesa.

CUSTOS ELEVADOS DE MANUTENÇÃO

CL – Já referiu que os custos referentes à manutenção do edifício da Adega são elevados. Qual o maior investimento que têm previsto fazer no imediato?

JVP – É a substituição do telhado central do edifício principal, uma obra urgente que vai ter um custo de 400 mil euros.

Foto: Paulo Rodrigues

CL – Contam com algum tipo de apoio para ajudar a financiar essa obra?

JVP – Não há nenhum apoio a nível nacional. Tenho feito uma pesquisa exaustiva e efectuado inúmeros contactos para apurar a possibilidade de recebermos algum tipo de apoio. Por exemplo, o Turismo de Portugal não tem qualquer hipótese de apoio, o Ministério da Agricultura também não, a A2S, Associação para o Desenvolvimento Sustentável da Região Saloia, também nada, a Câmara Municipal de Sintra não encontra nenhuma linha de apoio. Portanto, estamos entregues a nós mesmos.

CL – O facto de desenvolverem uma função de promoção turística e de divulgação de um produto da região e da própria região, não contribuiu para assegurar algum tipo de apoio especial da parte das autoridades?

JVP – Temos mantido conversações com a Câmara Municipal de Sintra nesse sentido, mas ainda não existe nada de concreto. O nosso investimento é de 400 mil euros/ano. Nós demorámos uns 10 anos a reunir estes 400 mil euros, contando que a obra recuperasse o telhado integralmente. Estávamos tranquilos, só que os materiais têm vindo a aumentar e, hoje, os 400 mil reunidos já só dão para reparar a parte central do telhado. E se esperarmos mais um ano ou dois, nem para a parte central vai dar, por isso vamos avançar já com a obra. Vamos iniciar os trabalhos e vamos acreditar que a Câmara Municipal de Sintra, no seguimento das reuniões que temos tido até agora, consiga fazer passar algum apoio.

CL – E as restantes obras necessárias?

JVP – Entretanto, vamos procurar obter orçamentos para as obras que é necessário fazer em todo o edifício, porque a Câmara disse que apoiaria se o imóvel ficasse todo bonitinho, pintadinho, com os telhados todos finalizados. Serão certamente mais uns 300 mil euros, mais 50 mil menos 50 mil, com as pinturas e recuperação das paredes, mais a recuperação dos telhados das torres e das janelas do edifício. Sem dúvida que nós desejamos isso, mas se demorámos 10 anos a reunir 400 mil euros e agora vamos gastá-los no telhado central, obviamente que no imediato não conseguimos dispor de outros 400 mil para terminar as restantes obras necessárias.

CL – Chegaram a contactar outras entidades que pudessem disponibilizar algum tipo de apoio?

JVP – Escrevemos uma carta que encaminhámos para o Ministério da Agricultura, porque ainda se pensou que o PEPAC (Plano Estratégico da Política Agrícola Comum 2023-2027) pudesse ser apresentado aqui na Adega e teríamos a presença da Sra Ministra, mas não foi possível. A carta foi encaminhada para o Ministério, explicando as dificuldades que temos e pedindo ajuda para a resolução do problema. Acontece que a Sra Ministra mandou dizer que o PEPAC não seria apresentado aqui, mas que manteria a hipótese de nos reunirmos para falarmos sobre o telhado. Contudo, o telhado podia cair que a Sra Ministra, até hoje, nunca arranjou 5 minutos para falarmos sobre isso.

No que respeita às obras que vamos fazer, penso que deveria haver uma linha de apoio e penso que a Senhora Ministra devia ter atenção à Região Demarcada de Colares, porque, além de ser uma das mais antigas do País, é uma região emblemática, completamente diferente de qualquer outra.

Foto: Paulo Rodrigues

CL – O edifício nunca foi proposto para ser classificado como imóvel de interesse municipal?

JVP – Isso está a ser trabalhado agora com a ajuda dos técnicos da Câmara. Na minha opinião, essa classificação devia ter sido já concretizada há muitos anos, por iniciativa da própria Autarquia. Até porque as pessoas sabem que Colares é uma referência, que o edifício da Adega é a face de Colares, um dos ícones do concelho, um edifício que tem contribuído para trazer milhares de turistas à região. Tenho casos de turistas americanos que vêm exclusivamente dos EUA conhecer a região de Colares.

CL – O Enoturismo tem sido uma resposta eficaz para minimizar as dificuldades?

JVP – O Enoturismo tem sido uma tábua de salvação. Nós tivemos aqui dois anos terríveis (2020 e 2021), durante os quais perdemos todos os clientes, porque o Turismo é uma das nossas fontes de rendimento. Mantivemos alguma exportação com muitas dificuldades e tivemos a sorte de estabelecer uma parceria com uma cadeia de supermercados para comercializar os nossos produtos numa unidade aberta recentemente em Sintra.

Depois desses dois anos muito difíceis, a nossa recuperação em 2022 assentou sobretudo no Turismo. Tivemos muitas visitas, muitas provas de vinhos. Quanto às vendas de vinhos, houve alguma exportação, mas nos restaurantes a coisa não tem corrido por aí além. Entretanto, foi criada a marca ‘made in Sintra’. Pode ser que possa gerar alguma dinâmica favorável.

CL – A Autarquia e o Estado Central têm organizado visitas e eventos no edifício da Adega. Isso pode abrir portas para uma colaboração futura?

JVP – Eventualmente, uma das possibilidades poderia passar por estabelecer um protocolo de acordo com a Câmara, em que houvesse contrapartidas da Adega para com a Câmara, no sentido de a Autarquia poder ajudar-nos a preservar um património que é de todos e que importa preservar.

Foto: Paulo Rodrigues

AUMENTO DA ÁREA DE VINHA E DE PRODUÇÃO

CL – Qual é a área actual de vinha na região de Colares?

JVP – A região demarcada mais a restante vinha poderá andar nos 50 hectares, sendo que a região demarcada deverá ter uns 12 hectares. Hoje em dia, produz-se muito mais num hectare do que antigamente em dois ou três, mas ainda mais importante do que a área de vinha é a qualidade do vinho produzido. Recentemente, entraram novos associados que estão a fazer plantações, pelo que acredito que nos próximos 2/3 anos seja possível duplicar a produção. Poderemos passar com alguma facilidade para as 50 mil garrafas de vinhos DOC.

CL – Esse aumento de produção pode implicar uma alteração de preços nos mercados?

JVP – Eu quero aumentar a produção, mas também quero manter o preço. E a única maneira que tenho de o fazer é garantir que os outros agentes económicos estão interessados em obter o produto. Se eles vão obter o produto através da Adega eu consigo regularizar o mercado, mas se eles vão directamente a cada um dos produtores isso não será possível. É preciso fazer chegar constantemente esta ideia aos produtores. É preferível ter menos produtores, mas fiéis à causa, do que ter aqui aqueles que este ano entram, porque não conseguiram vender, e no ano seguinte já não entram por fazerem as vendas fora da cooperativa.

CL – Referiu que a maioria das propriedades tem uma área reduzida…

JVP – As propriedades dificilmente ultrapassam um hectare. Em média, andam à volta de três mil metros, ou seja, 0,3 hectares. Já começa a haver algum emparcelamento, mas pouco. Os 20 produtores associados da cooperativa não têm nem de longe um hectare, muitos deles têm 100m2, 500 m2, 1.000 m2, são propriedades muito pequenas.

CL – Quais os principais mercados de destino dos vinhos DOC produzidos na Adega?

JVP – Nós evitamos exportar tudo, embora os EUA, Reino Unido, países nórdicos (os nossos principais mercados no exterior) e, pontualmente, outros pequenos mercados pudessem escoar toda a nossa produção. O mercado internacional anda à volta dos 30/40 por cento e não podemos ultrapassar isso, porque senão perdemos quota de mercado nacional. Isso é importante para nós, porque existem empresas que vêm buscar, não são muitas quantidades, mas algumas garrafas e que mantêm o seu nicho de mercado. E também há muitos particulares que apreciam o nosso vinho desde há muito, através dos avôs, pais, etc., e que vêm buscar todos os anos o vinho para as suas garrafeiras e divulgam bastante o vinho.

CL- Existe uma grande percentagem de vinha antiga na região?

JVP – À medida que aparecem vinhas novas, essa percentagem vai diminuindo, mas temos muitas vinhas com mais de 100 anos. Sem dúvida que isso é uma vantagem em termos da qualidade da produção, que nos vai permitindo deixar envelhecer as vinhas mais novas, porque ainda temos reserva para isso. É vulgar termos plantas com 4, 5 ou 6 varas de produção. Nas videiras mais velhas podem ir até às 20/30 varas de produção. São de facto monumentos históricos. Uma vez, houve um norte-americano que nos visitou e mostrou interesse em ver uma planta com mais de 100 anos. Acabou por ver duas ou três com mais de 300 anos. Nem queria acreditar que fosse possível.

CL – Como vê o futuro do vinho de Colares e da Adega?

JVP – Eu estou muito optimista. Regista-se uma expansão na região demarcada. Acho que a região pode ter algumas dificuldades por concorrência com a construção. Muita dessa construção já está a ocupar as manchas de areia, a área de vinha, que devia ser preservada. Eu não sou contra a construção, sou contra a desorganização. É possível haver um planeamento que permita que a construção até possa funcionar como um motor da vinha. Propus isso à Doutora Edite Estrela várias vezes, mas sem resultado. A construção podia avançar, mas devia respeitar a manutenção ou instalação de uma área mínima de vinha. Isso nunca se fez. Contudo, penso que a região está salvaguardada, em plena expansão, não só na areia como no chão rijo.

DUAS CASTAS AUTÓCTONES

As castas Malvasia de Colares e Ramisco são autóctones da região, plantadas em pé-franco (directamente no solo, sobre as suas próprias raízes), em solos arenosos livres de filoxera, a menos de 1.000m da Costa Atlântica e a uma altitude média de 110m.

As cepas plantadas nestas zonas arenosas, caracterizadas por pequenas áreas de produção sujeitas a condições singulares de microclima, obrigam a cuidados específicos, sendo trabalhadas manualmente.

MARCAS DA ADEGA REGIONAL DE COLARES

A Adega Regional de Colares produz três marcas principais de vinhos. Os topos de gama são o Arenae Malvasia Branco e o Arenae Ramisco Tinto, vinhos da Denominação de Origem Controlada de Colares.

Segue-se a marca Chão Rijo, com a qual são comercializados vinhos branco e tinto Regionais Estremadura. A terceira marca, com Vinhos de Mesa branco e tinto, denomina-se Terra da Lua.

PRAGA COMBATIDA COM ‘CAVALOS’

Em meados do século XIX, um insecto proveniente da América do Norte, conhecido pelo nome de filoxera, que se alimentava da seiva da videira, espalhou-se e destruiu os vinhedos do continente europeu. Rapidamente, as raízes das videiras atacadas ficavam vulneráveis a fungos, acabando por sucumbir à doença, o que causou a ruína de muitas casas vinhateiras famosas, nomeadamente no Alto Douro Vinhateiro.

Foi preciso esperar até que dois viticultores franceses, Gaston Bazille e Leo Laliman, criassem uma técnica de enxertar as variedades de castas europeias em porta-enxertos (conhecidos como ‘cavalos’) de videiras americanas, cujas raízes estavam imunes à filoxera. Com esta técnica enxertava-se o caule de Vinis vinifera numa raiz resistente, o que ainda é praticado na esmagadora maioria dos vinhedos.

Ainda hoje, a filoxera, que ainda não foi dada como extinta, continua a ser uma ameaça global para os vinhedos. Porém, existem algumas zonas de produção, onde, por vários motivos, a praga não chega nem causa estragos. Nessas zonas, a Vinis vinífera continua a ser plantada na própria raiz, sendo considerada uma videira de pé franco, como acontece com as castas Malvasia de Colares e Ramisco.

Autor: Luís Curado

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