O maestro César Batalha, fundador do Coro de Santo Amaro de Oeiras, morreu no passado dia 14 de Janeiro, aos 76 anos. Encontrava-se internado há vários dias no Hospital Egas Moniz, em Lisboa. Em homenagem ao autor do ‘Hino de Oeiras’, a Câmara Municipal de Oeiras decretou dois dias de luto (16 e 17 de Janeiro), durante os quais manteve a Bandeira Municipal a meia haste.
Maestro, compositor, organista e professor, este grande vulto da Cultura oeirense recebeu importantes distinções ao longo da sua carreira, nomeadamente a classificação de Melhor Coro do Ano (1980) e a Medalha de Mérito Artístico atribuída pelo Município (1981). O Auditório César Batalha, nas Galerias do Alto da Barra, em Oeiras, e o seu busto, no Largo Marquês de Pombal, foram duas homenagens que recebeu em vida.
Nascido em Oeiras em 1945, César Batalha fundou em 1960, com apenas 15 anos de idade, o Coro de Santo Amaro de Oeiras, à frente do qual se manteve como Director Artístico durante 50 anos, até Maio de 2010, quando deu por finda a sua actividade à frente de todos os agrupamentos corais que dirigiu. Um exemplo de longevidade invulgar num percurso marcado por inúmeros sucessos.
Em 1976, o maestro decidiu alargar o seu projecto e criar o Coro Infantil de Santo Amaro de Oeiras, grupo com o qual gravou temas que alcançaram grande popularidade, entre os quais ‘Eu Vi Um Sapo’ e ‘A Todos um Bom Natal’, assinados em colaboração com a sua mulher, Ema Batalha, autora e parceira de diversos êxitos interpretados pelo Coro, para o qual escreveu várias letras.
Entre as inúmeras distinções recebidas, destacam-se ainda: um primeiro prémio de composição no Festival Sequim de Ouro com o tema ‘Eu Vi Um Sapo’ (1980), Prémio de Popularidade (1984), Medalha de Agradecimento da Cruz Vermelha Portuguesa (1991), Diploma de Agradecimento da Ordem Soberana e Militar de Malta (1997) e a Medalha de Mérito/Grau Ouro da Junta de Freguesia de Oeiras (2010).
ISALTINO MORAIS: “QUANDO SE DEIXA OBRA, NUNCA SE MORRE”
“A morte do maestro César Batalha deixa, não só Oeiras mais pobre, mas o País e até o Mundo. Quem faz Cultura distende-se para lá do lugar onde se habita e o maestro, através do Coro de Santo Amaro de Oeiras, levou a Música, a Arte e a Cultura de Oeiras para o Mundo”, escreveu o presidente da Câmara Municipal de Cascais (CMO), Isaltino Morais, na sua página pessoal no Facebook.
“Quando se deixa obra, nunca se morre, fica-se para além de nós mesmos. Assim será. O maestro manter-se-á connosco através do Coro, da sua sensibilidade, do seu amor pelo lugar, pela Música, pela Cultura. Estou profundamente grato ao maestro César Batalha e é com profunda tristeza que me despeço de um dos nossos”, salientou ainda o autarca oeirense na mesma publicação feita numa das principais redes sociais da internet.
MARCELO REBELO DE SOUSA DESTACA CONSAGRAÇÃO DO ARTISTA
Também Marcelo Rebelo de Sousa prestou homenagem ao fundador do Coro de Santo Amaro de Oeiras, através de uma mensagem publicada no Site da Presidência da República: “Há artistas cuja obra está indissociavelmente ligada ao seu nome. Mas há também casos em que as criações se desprendem do criador, porque entraram de tal forma no nosso imaginário que já não sabemos a sua origem. Isso aconteceu com César Batalha, maestro e fundador, adolescente ainda, do Coro de Santo Amaro de Oeiras.”
“É difícil imaginar um português que nunca tenha ouvido o Coro, ou que não tenha ouvido dois dos popularíssimos temas que o maestro compôs, ‘Eu Vi um Sapo’, que venceu o Sequim de Ouro, e ‘A Todos um Bom Natal’. Esse grupo vocal e essas canções representam a dupla consagração de um artista: ser conhecido pelo seu trabalho e ser menos conhecido do que o seu trabalho”, assinalou o Presidente da República, terminando a sua mensagem com a apresentação das condolências à família do maestro.
“UM MAESTRO QUE CONQUISTOU CORAÇÕES”
Na página oficial que tem no Facebook, o Coro Infantil de Santo Amaro de Oeiras referiu que o ‘Pai’ do grupo coral é recordado como “um Maestro que conquistou corações de pequenos e graúdos por este Portugal fora”. “Na memória de todos os coralistas que passaram por aqui, fica uma personalidade forte e uma direcção cheia de vida e garra, que deixa saudades!”, assinalou o grupo, que concluiu: “Ficamos todos mais pobres, mas ricos nas memórias que deixa!”
“O Maestro César Batalha foi uma das personalidades marcantes da vida cultural de Oeiras no século XX e deixou um lastro significativo para o século XXI”, realçou, por sua vez, o Município de Oeiras, recordando que “por toda a sua vida dedicada à Cultura e à Música, em particular”, “é um cidadão emérito de Oeiras”. “O património musical por ele construído faz parte da nossa identidade comum”, destacou.
RECORDAÇÕES DE UMA VIDA REVISITADAS EM ENTREVISTA
Em 2015, numa entrevista realizada pela jornalista Sónia Correia para o Gabinete de Comunicação da Câmara Municipal de Oeiras, o maestro revisitou algumas das memórias da sua vida, confessando que o seu hobby preferido, desde a infância, sempre tinham sido os comboios eléctricos, o primeiro dos quais recebeu como prenda do pai por ter obtido bons resultados escolares. Um hobby ao qual passou a dedicar mais tempo na fase final da sua vida.
Na mesma entrevista, César Batalha recordou a origem dos pais oriundos de Mafra, que vieram viver para Oeiras para o pai poder trabalhar na Fundição de Oeiras. Foi por imposição do pai que ainda chegou a frequentar o curso de Económicas e Financeiras (o pai esperava que enveredasse pela carreira diplomática), mas acabou por desistir, para ficar só com a Música, à qual se dedicou de corpo e alma durante toda a sua vida
O pai do maestro, que pertenceu a uma banda musical em Mafra, tinha alguns livros de música em casa, que cedo fascinaram o filho, atraído pela escrita musical. O pai chegou a proibi-lo de estudar música por entender que não era uma profissão de futuro, mas a mãe, que era doméstica, apoiou-o “um pouco às escondidas do pai” nas lições de piano, recebidas em casa da professora, atendendo a que a família não tinha piano em casa.
Como uma das grandes influências na sua formação, César Batalha lembrou o professor de Música António Freire Garcia, um mestre com “um grau de exigência enorme”, uma exigência que o maestro sempre admitiu ter herdado em relação àqueles que dirigiu ao longo da sua carreira. “Sou um maestro com mau feitio”, confessou na mesma entrevista, referindo que “queria concentração” e que isso o obrigava a impor a sua autoridade. Como? “Aos gritos. Era a única maneira. Sempre foi”, explicou.
Em relação aos vários coros que dirigiu, entre os quais o Coral Ultramarino de Lisboa, o Coro da Tabaqueira, o Orfeão Académico de Lisboa e o Coro do Banco de Portugal, entre outros, além dos já referidos, precisou que sempre manteve a mesma filosofia: “Ter um reportório que agradasse a quem cantava e a quem participava e a quem ouvia, sem cedências”. Um reportório que incluía Música Clássica, sobretudo, mas também Música Popular Portuguesa.
“Gosto de Música Ligeira. Não sou radical, de modo algum. Há Música Ligeira muito boa. Aprecio e gosto”, admitia a maestro, que iniciou a sua carreira como organista com apenas 15 anos. Ao longo do seu percurso artístico também escreveu várias músicas para o Teatro. Uma dessas colaborações ocorreu com a peça ‘Sabina Freire’, de Manuel Teixeira Gomes, encenada por Celso Cleto, levada à cena no Auditório Municipal Eunice Muñoz, em Oeiras, por ocasião da comemoração do centenário da Implantação da República.