Bruna Coelho formou-se em Direito, pela Universidade Católica, mas a ginástica fez parte da sua vida desde tenra idade. Actualmente ocupa o cargo de vice-presidente da União Recreativa do Dafundo (URD) e é treinadora da modalidade de ginástica aeróbica do clube. O Correio da Linha esteve à conversa com a dirigente para saber mais sobre esta classe e perceber quais os seus objetivos para a URD.
Correio da Linha (CL) – Como foi o seu percurso enquanto ginasta?
Bruna Coelho (BC)– Comecei a praticar ginástica aos seis anos e, sendo de Loulé, fiz toda a minha formação no Algarve. Na altura, fazia ginástica acrobática que é uma modalidade praticada em equipa. Como não gostava de depender dos outros, aos 15 anos desisti da ginástica. Entretanto, recebi um convite da Selecção Nacional de Ginástica Aeróbica para experimentar a modalidade, uma vez que era uma disciplina individual. Aceitei e aos 17 anos vim para a Central de Alto Rendimento do Jamor. Ao início não gostei muito, mas a paixão foi surgindo e é engraçado porque naquele tempo – e actualmente também – a selecção treinava na URD.
CL – Enquanto ginasta quais foram as suas principais conquistas?
BC – Alcancei o 9.º lugar num Campeonato da Europa em trio, tenho vários segundos lugares em pares mistos e em 2012 fui ao Campeonato do Mundo como segunda melhor portuguesa. Em 2017, ano em que engravidei, estava apurada para ir aos campeonatos da Europa e do mundo.
CL – O que a fascina nesta modalidade?
BC – Confesso que de todas as disciplinas da ginástica, a aeróbica é a menos agradável de se ver. Mas praticá-la é um autêntico desafio porque qualquer ginasta de aeróbica pensa sempre que quando começa uma coreografia não vai conseguir terminá-la. Então, há uma superação diária para nos provarmos que nada é impossível.
CL – Realizou-se recentemente a Gala do Desporto. O que achou desta cerimónia?
BC – Surpreendeu-me pela positiva. Tivemos 13 ginastas homenageadas na gala e fiquei extremamente feliz por numa gala que decorreu ao longo de 2 horas não se ter falado uma única vez em futebol. Acho que em Portugal está na hora de se começar a perceber que não existe apenas futebol.
DE GINASTA A TREINADORA
CL – Como chegou a treinadora da classe de ginástica aeróbica da União Recreativa do Dafundo?
BC – Eu vinha treinar à URD com a selecção e em 2016 a direcção propôs-me começar a dar treinos de formação. Na altura o clube tinha muito poucos ginastas. Comecei os treinos com cerca de oito meninas. O trabalho desenvolvido deixou a direcção do clube e os pais bastante satisfeitos e no final desse ano convidaram-me para assumir o cargo de coordenadora da escola de ginástica do clube, a GYMNOACADEMY. Aceitei o convite, deixei de ser ginasta e dediquei-me a 100 por cento aos treinos. É importante que se tenha em conta que nem todos os bons ginastas são bons treinadores. Isto implica um grande investimento pessoal e técnico, além de uma constante vontade de aprender. Até chegarmos onde estamos hoje foi um longo e duro caminho.
CL – Em que consistem os treinos de formação?
BC – A ginástica divide-se em cinco disciplinas: os trampolins, a acrobática, a rítmica, a artística e a aeróbica. Acho que uma criança de seis ou sete anos não sabe qual a melhor opção sem as ter experimentado a todas. Então, todas as ginastas que entram na URD fazem um ano de formação base geral. No final desse ano, a treinadora faz uma recomendação por escrito com base nas características de personalidade e físicas da ginasta indicando qual a classe pela qual deve enveredar. Assim, quando escolhe, a criança tem plena noção daquilo que está a escolher. Quem me dera ter tido esta oportunidade. É de salientar que a URD é dos poucos clubes no País a ter disponíveis todas as disciplinas da ginástica e em Oeiras somos o único clube com ginástica artística
CL – Quantas são as ginastas de aeróbica e entre que idades?
BC – Actualmente temos 25 crianças entre os seis e os 15 anos. Treinamos todos os dias – à excepção da quinta-feira – durante três horas. Aos fins-de-semana fazemos treinos bi-diários.
CL – O que fazem nos treinos?
BC – Os treinos variam consoante os ciclos que temos. Por exemplo, se estamos em Setembro/Outubro fazemos muita preparação física e algum trabalho de execução. Se for altura de competições treinamos sobretudo coreografias. Os treinos estão divididos em dois níveis: o B e o A e cada treinadora dá aulas ao seu nível, ou seja, cada professora treina pouco mais de 10 alunas. Isto é um luxo. Além disso, como a ginástica aeróbica vai beber a todas as outras disciplinas da ginástica conto sempre com o apoio das minhas colegas. É um grande trabalho de equipa.
CL – Foram campeãs nacionais em iniciados. O que significa para si esta conquista?
BC – Só pode significar muito orgulho na equipa e refiro-me tanto às ginastas como às treinadoras. Além disso, isto só releva uma coisa: se elas são campeãs em iniciados, significa que temos na URD o futuro da modalidade. Daqui a alguns anos elas vão ser as campeãs juniores ou seniores de Portugal e quiçá do Mundo.
CL – Como é que as ginastas conciliam os treinos com os estudos?
BC – Eu digo-lhes muitas vezes que as meninas que querem passar da classe B para a A – composta pelas meninas que treinam mais horas e que participam nas competições mais importantes – têm de ter duas coisas: boas notas e espírito de equipa e de sacrifício. Tenho por hábito pedir-lhes no final de cada período a pauta de avaliação e orgulho-me de dizer que todas as ginastas que treinam comigo são excelentes alunas. Acredito que é tudo uma questão de organização. Quando era ginasta não me lembro de ir ao café com os amigos ou chegar a casa e ir ver televisão. Não, eu sabia que o meu tempo estava todo contado. Além disso, de forma a aliarmos a componente escolar à ginástica surgiu a ideia de fazermos os nossos saraus a partir de contos escritos pelos ginastas do clube. Assim, qualquer ginasta até aos 18 anos pode participar e, depois do júri avaliar os textos, o vencedor vê o seu conto adaptado a um sarau.
COMPETIÇÕES FUTURAS
CL – Em 2020 em que competições vão participar?
BC – Em Abril, tenho esperança de conseguir o apoio da Câmara Municipal de Oeiras para participarmos numa prova internacional muito importante no Japão, a prova Suzuki. É uma competição com 30 anos de história e é a taça do mundo mais antiga da ginástica aeróbica. Isto seria uma forma de preparação para o Campeonato do Mundo por Idades que terá lugar em Baku, no Azerbaijão, entre os dias 8 e 10 de Maio. Falo de preparação não só a nível técnico, mas também psicológico, pois no Campeonato do Mundo as meninas vão deparar-se com um palco 20×20 em que os holofotes estão todos apontados para elas e tudo à volta é escuro.
CL – Quais são as suas expectativas para o Campeonato do Mundo?
BC – Eu costumo ser muito realista. Na camada juvenil acho que vai ser uma luta muito difícil, porque competimos contra países como a China e a Rússia, que têm uma perspectiva do desporto que, infelizmente, em Portugal ainda não temos. Treinam muito mais horas que nós e têm apoios com os quais nós não contamos. Tendo isto em mente, a minha expectativa para as juvenis da URD será o meio da tabela. Acho que se conseguirmos isto já é um bom resultado. No que toca ao par misto composto pela melhor júnior portuguesa que é a nossa ginasta Tânia Almeida e pelo melhor júnior português, Luís Rosas da Associação Gímnica de Águeda, acho que é garantidamente uma ida à final. Medalhas talvez seja difícil de conquistarmos porque aqui entra a política e Portugal em termos políticos na ginástica precisa de lutar mais um bocadinho, mas talvez um 4.º lugar. Para a nossa júnior individual, também acredito numa ida à final.
APOIOS E PROJECTOS
CL – Com que apoios têm contado?
BC – A actual direcção – da qual faço parte – tomou posse em Fevereiro 2019 e desde então o clube tem passado por uma grande reestruturação financeira porque a direcção anterior deixou-nos uma série de dívidas. A Câmara Municipal de Oeiras tem vindo a relevar-se um grande aliado e considero que é bastante justa na atribuição de verbas aos vários clubes do concelho porque para tal solicita a elaboração de propostas devidamente estruturadas nas quais constem orçamentos, previsões, calendários, etc. No ano passado, por exemplo, a CMO ajudou-nos a recuperar toda a fachada exterior do clube que estava em avançada fase de degradação e que era, inclusive, um perigo para a saúde pública, pois estava em risco de ruir.
A Junta de Freguesia de Algés, Linda-a-Velha e Cruz-Quebrada Dafundo também nos apoia com bens como cadeiras, plantas, águas e tudo o mais que seja necessário para os nossos saraus, incluindo o transporte deste material com a sua carrinha, que nos é emprestada a custo zero. Como somos uma instituição de utilidade pública, de vez em quando também recebemos donativos de algumas empresas, como a Star Quality e a BOL. Fora isso, fazemos saraus, festas e galas onde cobramos bilhetes explicando sempre para que reverte aquele valor. Os nossos saraus já têm uma grande dimensão. O do ano passado foi no Museu dos Coches para um público de 500 pessoas. Este ano já apresentei proposta à Câmara para realizarmos o sarau aqui no concelho, mais concretamente nos jardins do Palácio Marquês de Pombal. Estamos a aguardar resposta.
CL – Quais são as principais dificuldades que enfrentam actualmente?
BC – Sem dúvida que a aquisição de material próprio para o desenvolvimento da actividade é a nossa principal dificuldade. Isto porque temos vários acordos com a Federação de Ginástica de Portugal, mas apesar da sua boa vontade, estes protocolos por um ou por outro motivos podem não ser renovados, que foi o que aconteceu o ano passa- do e o material gímnico é bastante caro. Por isso é que considero uma prioridade tornar o clube autónomo a nível financeiro. Se os projetos que apresentei à Câmara forem aprovados conto que daqui a dois ou três anos o clube tenha grande autonomia.
CL – E que projectos são esses?
BC – Propus a realização de um training camp aqui na URD com a duração de uma semana para o qual convidei os quatro últimos campeões do mundo de ginástica aeróbica. A minha perspectiva é receber aqui cerca de 100 atletas. Isto é um projecto perfeito, pois não implica qualquer investimento a nível de infra-estruturas: temos a URD com óptimas condições gímnicas, temos o Jamor com óptimas condições desportivas no geral e temos o centro de estágio onde posso reservar as dormidas e as comidas. Temos aqui uma autêntica aldeia gímnica. Para este projecto solicitei o apoio da Sara Sardinha, que foi minha colega na selecção nacional e é actualmente a treinadora do outro clube de Oeiras onde se pratica ginástica aeróbica, o Grupo Desportivo Unidos Caxienses. Acho fundamental a união dos clubes em prol da modalidade e do concelho. Outros dois projectos que apresentei foram a criação de uma escola de ginástica com ensino articulado entre aulas práticas e teóricas e a criação de uma mini escola de ginástica artística para os mais pequeninos.