Ligado à Biblioteca Operária Oeirense, mas funcionando de forma autónoma, o coro Cramol, Canto Tradicional de Mulheres, segundo Margarida Antunes, um dos elementos do coro e também uma das fundadoras, surgiu na sequência da criação de um atelier, por Domingos Morais, que dirigia um coro na Biblioteca, com o objetivo de aprofundar o conhecimento do Canto Tradicional Português, que é muito rico e diversificado.
Sendo considerado Portugal como o país da Europa mais rico em polifonias de mulheres, não é de estranhar que Margarida Antunes refira que estão constantemente a procurar novas sonoridades neste universo de tradições, que de acordo com a região, seja Trás-os-Montes, as beiras, o Alentejo ou o Algarve, permite novas abordagens, mas também obriga a um trabalho de colocação da voz, para reproduzir cada uma dessas sonoridades.
O nome Cramol, foi escolhido por se ajustar ao canto do coro, já que esta palavra derivada dos clamores, que eram os cânticos de preces das procissões, evoluiu para a designação do canto polifónico a três vozes.
O Cramol celebra os seus 40 anos de existência em Setembro deste ano, uma idade que atesta a vontade das mulheres que o constituem, de manter vivas as nossas tradições, mas também a qualidade do seu trabalho, que ao longo dos anos foi conquistando o prestígio que leva a que sejam convidadas não só para atuar nos mais diversos locais em Portugal, mas noutros países como a Alemanha ou a Olanda, e também para colaborarem com outros artistas em espetáculos e na gravação dos seus trabalhos.
A Direção Artística do coro está a cargo do Eduardo Paes Mamede, desde 2003, mas foi dirigido inicialmente por Rui Vaz e depois por Luís Pedro Faro e refere Margarida Antunes, que hoje é mais fácil encontrar pessoas com conhecimentos deste tipo de Canto mas no passado isso era difícil, felizmente encontraram estas pessoas muito competentes.
O Coro, além da Direção Artística, não tem órgãos diretivos, ou seja, é gerido de forma “democrática”, cabendo aos elementos do coro tomar as decisões relacionadas com o seu funcionamento, a escolha do reportório ou o programa de atuações ao longo do ano.
O reportório é escolhido, principalmente, através dos cancioneiros existentes, como por exemplo o de Arouca, de Lafões ou de Resende, recorrendo também ao arquivo do músico e etnomusicólogo Vergílio Pereira, fazem alguma pesquisa própria e inicialmente recorreram muito às importantes recolhas etno-musicais de Michel Giacometti.
O reportório faz um percurso que abrange toda a vivência das populações rurais, desde as canções de embalar, as canções ligadas ao trabalho como as ceifas e o linho, as canções religiosas ou as canções de amor e sensualidade.
As atuações do coro, salvo em casos especiais, são gratuitas, mas quando é convidado para locais que exigem despesas de deslocação e estadia, solicita que essas despesas sejam pagas por quem faz o convite, uma vez que o coro não tem meios para suportar esse tipo de gastos.
Dos elementos do Cramol, que são 21, fazem parte senhoras que estão no coro desde o seu início, mas ao longo dos anos foram entrando e saindo elementos, alguns ficaram e proporcionam a continuidade e renovação do coro, “O Correio da Linha” falou também com três desses elementos.
Inês Coutinho, no coro desde 2009, diz que tendo um grande gosto pelo canto e a experiência de cantar em coros, viveu em Oeiras durante muitos anos sem conhecer o Cramol, com muita pena sua, pois “perdeu muito tempo”, mas um dia quando o Cramol atuou na Igreja Matriz e teve a curiosidade de ir assistir, a sua emoção foi grande e decidiu que ia tentar fazer parte do Cramol, que lhe lembrava a sua infância numa aldeia transmontana.
Refere que é muito bom poder fazer parte deste coro e que quando Margarida Antunes diz que o coro não tem um corpo diretivo, a verdade é que há uma coesão de grupo muito forte que deve ser a responsável pela sua sobrevivência durante todos estes anos.
Felipa Lopes, que entrou no coro em 2008, esteve sempre ligada à música, estudou Guitarra e Flauta de Bisel e no seu percurso universitário em Coimbra, estudou canto, quando veio para Lisboa perguntou a José Mário Branco, onde se podia integrar e ele aconselhou o Cramol, que não era propriamente a sonoridade que lhe agradava, uma vez que já atinha ouvido, mas depois de algum tempo do “estranhar passou ao entranhar” e embora o seu percurso musical seja muito moderno, encontra algo que a comove nesta música, levando a que mesmo quando está cansada não resista a estar presente nos ensaios.
Graça Serrão, entrou para o coro em 1984, cantou em coros desde muito nova, mas a vida profissional deixou de lhe permitir essa atividade e foi o acaso que lhe deu de novo a oportunidade de voltar a cantar e desta vez no Cramol. Teve conhecimento da existência do coro através da conversa com um elemento do coro, Eugénia Miranda, que não conhecia, enquanto esperavam por consulta no Centro de Saúde de Oeiras, tendo, Graça Serrão, no seguimento da conversa, referido o seu gosto de cantar, ao que Eugénia Miranda reagiu aconselhando que aparecesse num ensaio do Cramol e assim ficou. Refere Graça Serrão que nunca tinha ouvido o Cramol e ficou “verdadeiramente deslumbrada”. Fez algumas ausências longas por motivos profissionais mas ultimamente mantém a assiduidade.
Em termos futuros, Margarida Antunes diz que se pretende continuar este projeto, que é o Cramol, sempre empenhado em aprofundar o seu trabalho, já gravaram dois discos, que foi um trabalho feito com alguma prudência, para não haver “deslumbramentos”, hoje com o muito material que possuem pensam vir a gravar outro, mas acrescenta Margarida Antunes que o Cramol não se fica apenas por um tipo de canto, lembrando que tem participado em espetáculos de música contemporânea, como a abertura ao público da Central Tejo, ou o Centenário da República e continuará a aceitar esses desafios.
Tem o coro desenvolvido também, além dos espetáculos, encontros de reflexão, ciclos de conferências, com temas como “Fios que Tecem a Fala das Mulheres”, e neste momento está a decorrer outro ciclo, sob o tema “Espantar o Mal no Corpo e na Alma, Fala de Mulheres e Outros Cantos”, tendo sido realizada a primeira conferência dia 19 de Novembro, a segunda no dia 14 de Janeiro, sendo a próxima no dia 18 de Fevereiro, depois a 11 de Março e oito de Abril, sempre às 21h15, na Biblioteca Operária Oeirense, com entrada livre.
A comemoração dos 40 anos ainda não tem programa mas isso será definido, fica a ideia de provavelmente ser um grande espetáculo a assinalar o aniversário.